A psicóloga Amélia*, 45 anos, namorou Pedro* pela internet sem contar que era 10 anos mais velha do que ele, mãe de um filho de 18 anos, e que estava acima do peso. Ao se apaixonar, entrou em crise e, disposta a acabar com meses de mentira, marcou o primeiro encontro ao vivo. Ele ficou assustado quando percebeu o engano, mas já estava envolvido também. Aqui, ela conta por que mentiu, como enfrentou preconceitos e diferenças para viver um grande amor que, completa 10 anos
Revelei meu nome, mas desconversava quando ele perguntava da minha aparência. Ele desencanava, mas depois voltava a perguntar. Decidi colocar uma foto falsa no meu Orkut. Era de uma morena, que tirei de uma revista. Coitado, ele ficou com essa imagem na cabeça, e assim acalmei sua curiosidade e continuei dando desculpas para não me mostrar no Skype.Outra diferença que nos distanciava é que Pedro vem de uma família rica, o pai colecionava automóveis antigos, ele morava na zona nobre de São Paulo. Eu moro em Alvorada, perto de Porto Alegre. Os meus pais são cegos. Minha mãe, de nascença, e meu pai, desde criança, por causa de uma sequela de sarampo. O curioso é que quando jovens, moraram em cidades diferentes e namoraram por carta... eu fiz o mesmo, só que pela internet. Ambos foram operários numa fábrica de fogões, depois meu pai teve uma banca de verduras e minha mãe virou dona de casa.
Meu pai me conseguiu uma bolsa em uma escola particular durante o Ensino Fundamental. Na faculdade, eu trabalhava durante o dia numa empresa de informática e vendia pastéis e cafezinho nos intervalos da aula à noite para pagar a mensalidade. Abandonei o curso de História pelo de Psicologia, perseguia o reitor para conseguir bolsas parciais. Só pude me formar aos 33 anos e fui trabalhar na clínica de uma professora e em duas escolas. Eu me separei do primeiro marido no fim da faculdade, tive outro namoro, mas trabalhava tanto que não dava tempo de sair e conhecer gente. Comecei a entrar nos chats, mas por pura distração. Não pensava em arrumar namorado na internet. Em 2004, as redes nem eram tão populares.
Estava há cinco anos sozinha quando Pedro entrou em minha vida. Depois de alguns meses, forcei a barra para ele assumir que era meu namorado. Ele não admitia nem falava de amor. Dizia que, para isso, eu teria que conhecê-lo pessoalmente, o que eu relutava. Até que uma noite, ele colocou uma música linda do Chico Buarque para ouvirmos juntos. Perguntei o nome da canção e ele me disse: ‘Eu te amo.’ Passávamos as tardes de domingo no Skype (minha câmera continuava desligada). Líamos juntos, ele me enviou pelo correio o "Blecaute", do Marcelo Rubens Paiva, que falava de São Paulo. Apesar das diferenças, havia muita afinidade entre nós. Quando falávamos sobre visão de mundo e sentimentos, éramos parecidos. Também adorávamos jogar xadrez pela internet. Estávamos apaixonados, e eu angustiada por causa das minhas mentiras. O Pedro tinha uma tia que brincava que eu devia ser um ‘gauchão de bombacha’.
Amava o Pedro, mas se a gente se encontrasse, iria decepciona-lo, e continuar mentindo era imperdoável. Entrei em crise, passei dias deprimida até decidir ir para São Paulo. Ele queria me pegar no aeroporto, mas combinei de esperá-lo no hotel e de deixar a porta do quarto aberta. Já era de noite quando ele chegou, e eu o recebi com as luzes apagadas.
No final do ano de 2005, ele veio para o Sul passar as festas e as férias comigo. Não planejamos nada,mas Pedro não voltou para a casa dele. Veio morar comigo em Alvorada – no quintal de casa moravam meu filho e sua namorada. Sem saber de minhas mentiras, a namorada de João apareceu e disse, brincando: “Tu não sabe o que teu filho me aprontou”... Pedro ficou mudo e empalideceu. Assim que ela saiu, ele me olhou, em estado de choque. Contei tudo, abri o coração, mas a confiança estava abalada e eu sabia disso. Se eu havia omitido algo tão importante, o que mais viria pela frente? Ele me disse que sempre sentia que tinha algo de errado, desde a época que eu recusava ligar a câmera do Skype. Mas nunca chegamos a brigar por causa disso. E eu apostava que, na convivência, ele voltaria a confiar em mim– porque, no essencial, que era o meu amor por ele e minha visão de mundo, sempre fui sincera. E se menti ou omiti, foi por insegurança e medo de não ser aceita. Ele brinca que, durante o namoro virtual, eu o fisguei pela palavra.
Depois que todas as mentiras se dissiparam, tínhamos a vida real pela frente. Formado em marketing e decidido a morar comigo, ele tinha que procurar emprego. Eu teria de voltar ao trabalho. No início, eu me preocupava muito com a mudança do padrão de vida dele, pois minha casa é modesta. Mas nesse aspecto nunca tivemos problemas. Quando eu tocava nisso, Pedro apenas me dizia que nunca tinha sido tão feliz. Eu sabia que era verdade. O preconceito da família dele, porém, ainda hoje me magoa. Depois de uns cinco meses que morávamos juntos, minha sogra veio visitá-lo e disse ao Pedro algo que nunca esqueci: ‘Como você pôde largar o Jardim Paulista pelo Jardim Ângela (periferia pobre de São Paulo)?’ Quando Pedro me assumiu diante de toda família, no Natal de 2006, me pedindo em casamento publicamente, foi um choque para todos. As tias dele são hostis até hoje e o pai não me dirige a palavra. Até quando telefona em casa, não me cumprimenta, manda chamar o filho. Diz que ele é louco de ter casado comigo. Fui julgada apenas pelas aparências, nunca me deram a chance demonstrar quem eu sou.
Nessa época, nosso tempo era dividido entre a venda dos congelados e o hospital. Tivemos ajuda financeira dos amigos, e apesar de tantas crises, nossa relação não se abalou. Tudo melhorou quando arrumei outro emprego, reativei o consultório e Pedro foi contratado numa empresa. Nesse ínterim, nasceram minhas duas netas e ele se tornou um ‘avô’ maravilhoso e coruja. Temos uma rotina dura de trabalho, mas nos damos muito bem. Vencemos as dificuldades porque conseguimos construir muita confiança e, naquilo que é fundamental para manter o amor vivo, sempre fomos honestos um com o outro. Apesar de eu ter aceito o seu pedido de casamento, não oficializamos. Ele continua insistindo. Já prometi que de 2014 não passa. Até lá, nosso romance completará 10 anos. Minha teoria é que hoje as relações não acontecem por duas razões: todos têm em mente um tipo de pessoa, não se abrem para conhecer gente fora do próprio padrão, e ninguém conversa. Nisso, a internet nos ajudou muito! Depois, a gente foi construindo nossa história, como qualquer casal que se ama e quer ficar junto."
Fonte>Revista Marie Claire
Nenhum comentário:
Postar um comentário