Durante sete anos, a engenheira
curitibana Claudia* teve um relacionamento com uma pessoa destrutiva.
Seu namorado passou a dar sinais de crueldade e desequilíbrio emocional.
Chamava-a de gorda, careta e tentava minar sua autoestima. Com apoio de
amigos, terapia, grupo de ajuda mútua e um novo amor, ela conseguiu
virar essa página e viver em paz
Tudo começou na primavera de 1999. Eu estava recém-separada do Marcelo, com quem tive um filho e uma história linda durante 16 anos. Nosso casamento, como a maioria das relações longas, já estava um pouco desgastado, mas fiquei sem chão quando ele confessou estar apaixonado por outra e saiu de casa. Aos 36 anos, precisava aprender a ser solteira novamente. Comecei a fazer novas amizades e a ter uma vida social mais intensa. Uma noite, aceitei o convite de um amigo para ir a uma vernissage. Lá, fui apresentada à Rosana, uma mulher simpática, porém um tanto tensa. Ela falava sem parar sobre um único assunto: o marido, um talento não reconhecido da música, um workaholic, um homem de temperamento difícil, mas fascinante. O papo era chatíssimo e as pessoas fugiam dela. Pouco depois, entrou na galeria um cara de 40 anos que se vestia como se tivesse 17. Usava cabelos espetados tingidos e óculos redondinhos. Era narigudo, magricela, carrancudo, o protótipo da figura esquisita e de mal com a vida. A noite acabou em um restaurante, com várias pessoas, inclusive o casal neuras. Não entendi o que aquele Caio, que só falava de si e dos defeitos da humanidade, tinha de encantador.
Um ano se passou. Viajei muito, fui promovida no trabalho, voltei a ler meus autores preferidos, resgatei velhos amigos, fiz programas com meu filho, dormi aos domingos até às 2 horas da tarde e namorei tipos diferentes, como um surfista, um músico e um guia turístico. Enfim, exercitei minha liberdade. Aos poucos, no entanto, veio a sensação de vazio, de solidão. Tudo parecia superficial. Estava carente, vulnerável e sobrecarregada de responsabilidades. Nessas condições, é fácil enxergar um príncipe no corpo de um sapo.
Nas semanas seguintes, ele fez um jogo pesado de sedução. Enviava e-mails românticos, comentários inteligentes sobre cultura e artes. Comecei a ficar balançada. Numa quinta-feira, me convidou para tomar um chope e resolvi aceitar. Conversamos e rimos muito e no final da noite ele disse que estava apaixonado por mim. Tentou me beijar, mas eu peguei um taxi correndo e fui embora. No dia seguinte, me mandou um e-mail dizendo que não parava de pensar em mim e que queria sair de novo. Respondi que também tinha adorado a noite, mas que não queria me envolver com alguém casado. Ele reagiu agressivamente. Disse que não queria ser meu amigo e que era melhor se afastar. Fiquei aliviada, mas também comecei a sentir falta do movimento de conquista do Caio. Ele parou de me ligar, de mandar e-mails, de dar qualquer sinal de vida. Isso durou uns dez dias.
O PRÍNCIPE QUE ERA SAPO
Num final de tarde de uma sexta-feira, ele me ligou e disse: “Pronto! Saí de casa e estou morando em um hotel. Podemos começar a namorar!”. Não acreditei que ele tinha terminado um casamento de sete anos para tentar se relacionar com uma mulher que nunca havia beijado. Fiquei assustada com a impulsividade, mas ao mesmo tempo feliz por ser tão desejada. Nunca alguém se mostrou tão apaixonado por mim quanto o Caio. Durante dois anos, ele foi o namorado ideal. Adorava mandar flores, dar presentes, viajar, cozinhar para mim. Além disso, ficou muito amigo do Pedro, meu filho, então com 6 anos. Outro ponto forte da relação era o sexo. Transávamos pelo menos quatro vezes por semana. No segundo ano de namoro, Caio começou a mudar. O primeiro sinal foi manifestar, sem mais nem menos, que não acreditava em relação monogâmica e que sentia muita vontade de transar com outras mulheres. Fiquei confusa e triste. Queria terminar tudo. Ele começou a dar em cima de todo tipo de mulher, principalmente as que tinham uma posição social, econômica e cultural diferente da minha. Tornou-se o rei das meninas do telemarketing, das secretárias, das atendentes em lojas, das estagiárias. Jogava charme para cima delas na minha frente. Dizia que elas não eram “burguesas” como eu. Na época, eu dirigia um departamento, trabalhava 12 horas por dia e sustentava meu filho, minha mãe e minha tia. Ele ocupava um cargo de gerente e não tinha grandes responsabilidades, além de pagar o aluguel e comprar ração para os gatos.
Implicar coma minha personalidade virou quase um hobby do Caio. Ele praticava bullying 24 horas por dia. Dizia que as pessoas só me tratavam bem, porque eu ocupava um cargo alto e que eu não sabia educar meu filho. Reclamava que eu não tinha gosto musical só porque odiava raves. Segundo ele, meus amigos eram uns chatos, minhas roupas eram caretas e meu trabalho não era arrojado (meu departamento sempre esteve entre os mais lucrativos da empresa). Para ele, eu era a gastona, embora tivesse casa própria e carro zero, enquanto ele morava de aluguel e vivia com o dinheiro contado.
Isso tudo me deprimiu. Queria recuperar o Caio amoroso do início da relação. Triste, comecei a engordar. Passei dos 57 para os 62 quilos. Ele notou e resolveu pressionar. Disse que perderia o tesão por mim, pois odiava gente gorda. Comecei a comer menos e a sentir tontura no trabalho. Fiquei com a imunidade tão baixa que tive pneumonia duas vezes.
Nesse período, ele ficou cada vez mais obcecado pelos dez gatos com que morava em uma casinha perto do meu apartamento. Não podíamos sair muito nem viajar, porque ele nunca tinha com quem deixá-los. Certa noite, trouxe os dez gatinhos para dormir com a gente na cama. Eu comecei a espirrar sem parar. Contrariado, ele deixou os gatos do lado de fora, mas a cada miado saia correndo. Dessa noite em diante, passou a dizer que os gatos eram os seres mais importantes da vida dele.
É claro que a essa altura, mesmo gostando dele, estava cansada de tantas manias e implicâncias. Pensava seriamente em terminar. Foi então que,em novembro de 2002, descobrimos que meu pai tinha um aneurisma. Ele morreu pouco depois e fiquei abaladíssima. O Caio voltou a ser companheiro, mas durou pouco. Menos de uma semana depois do funeral do meu pai, ele me fez passar a madrugada numa UTI para pets, porque Telma, uma de suas gatas preferidas, estava doente.Quando ela morreu, ele disse que “perder a gatinha era tão ruim quanto” perder meu pai. Fiquei péssima com a comparação infeliz.
Dali para frente, nossa relação oscilou entre momentos de desprezo e agressão verbal e outros de companheirismo. Qual era o verdadeiro Caio? O que me atormentava ou o que me dava carinho? Eu não conseguia descobrir. Atordoada, não terminava o namoro. O cenário mudou apenas em 2004, quando descobri que ele estava me traindo. A amante era mais velha, feia e estava desempregada. Pela primeira vez, coloquei a raiva para fora. Falei que ele tinha complexo de inferioridade e que procurava esse tipo de mulher para me ferir. Em fúria, comecei a atirar as coisas do escritório dele no chão. Quando ia quebrar o computador, ele me segurou e trocamos tapas e socos.
Foi o começo do fim. Contei para algumas amigas e elas me disseram que eu precisava de ajuda, que estava ficando tão neurótica quanto a ex-mulher dele.Uma delas sugeriu que eu visitasse o grupo Mada (Mulheres que Amam Demais Anônimas). Lembrei da maluca da Heloísa, a personagem da Giulia Gam na novela "Mulheres Apaixonadas", e fiquei brava. Não queria frequentar um grupo de doidas e mal amadas, mas minha amiga insistiu. Ali, encontrei mulheres ricas, pobres, bonitas, feias, jovens, experientes. Todas amavam um homem que as fazia sofrer.
Logo na primeira reunião, falei sobre como me sentia prisioneira de um relacionamento doentio. Durante quatro meses, participei de encontros semanais, em que compartilhei dores, senti raiva, pena, dei risada de mim mesma e tomei coragem. O processo de separação ainda durou dois anos e meio, entre falta de sexo e noites tórridas, lágrimas e auto descobertas. Voltei a fazer terapia uma vez por semana, me reaproximei dos amigos que ainda me aguentavam, viajei para Londres e pelo Brasil sem o Caio. A cada afastamento, eu percebia mais claramente o quanto conseguia ser feliz sem ele. Comecei a caminhar quase todos os dias, para gastar energia e liberar a raiva contida. Procurei um homeopata, que me ajudou a ficar mais equilibrada e centrada. Tudo isso melhorava minha autoestima e o desejo de sair daquele relacionamento. O foco da minha vida agora era eu mesma. Faltava pouco para eu ir embora. A única coisa que ainda me prendia era uma espécie de compaixão. Não queria ser mais uma pessoa a abandoná-lo na vida.
Onze dias depois, em outubro de 2007, reencontrei o Jean e começamos uma história bonita e tranquila, sem pressa. Já estamos juntos há cinco anos, temos um prazer enorme em passar horas juntos, nas fases boas e nas difíceis, temos gostos parecidos e, principalmente, amor e respeito um pelo outro. Hoje, o Jean é importantíssimo para mim,mas o foco da minha vida sou eu. Esse foi o grande passo transformador.
Fonte: Revista Marrie Claire
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