Quem sou eu?

Danka Maia é Escritora, Professora, mora no Rio de Janeiro e tem mais de vinte e cinco obras. Adora ler, e entende a escrita como a forma que o Destino lhe deu para se expressar. Ama sua família, amigos e animais. “Quando quero fugir escrevo, quando quero ser encontrada oro”.

UM JEITO NOVO DE DIZER ADEUS por Danka Maia




Cesar a olhou de um jeito único.Aquele onde o mundo,o segundo,o tempo  simplesmente cessam e naquele campo de visão só existem  os seus e os olhos da outra pessoa.Houve um instante de decisão,de que aquilo não valia a pena, de que o outro sentir não valia tanto quanto pensara ao ponto de leva-lo ali, naquele batente da janela do alto de um prédio de quinze andares,e foi a esticar a mão da sorte segundo elem em direção a Letícia,a mão direita, que seu pé escorregou e antes de alcançar a  da companheira dos dez anos de suas vidas, seu corpo volveu para trás e a última palavra que ouviu da boca dela foi:

_Não!- Cesar encontrara o chão exatos três segundos depois.Os médicos tentaram,a vida tentou,mas ambos não lograram êxito algum.

No velório a pergunta que queria não calava era porque o Professor de Física, um homem racional ao extremo, apaixonado pela esposa, um amigo leal, um filho irrepreensível poderia chegar aquela conjuntura, tirar a própria vida. Não havia resposta, existiam especulações, suposições e mais indagações, porém réplica, definitivamente Cesar não teria deixado.

Letícia mergulhou num fundo de dor, o amava mais que a própria vida, muitas vezes mais que a si mesma. A família tanto dele como a dela perpetuou ao lado da escritora dando todo o suporte necessário, no entanto, após alguns dias por decisão dela, acataram e todos se foram. No apartamento enorme de três quartos, uma vez  que o intento era ter uma família cheios de meninos e meninas, restara apenas e somente o vazio de uma utopia, a loucura de um bem querer,um coração despedaçado. Foi após um pranto copioso entre a quina da cozinha e a saída para o longo corredor que a campainha ousou tocar. Tocou. Tocou. E num ato de irritação suprema Letícia interfonou ao porteiro cobrando do homem qual parte do não estou para ninguém não teria compreendido, a resposta educada na voz mansa foi no mínimo intrigante:


_Desculpe, mas acho que a senhora deveria atender.-Conhecia Januário,era um criatura de  coração nobre,um porteiro que virou amigo,sabia que teria suas razões para ter lhe dito tal coisa.Depois do vigésimo toque reuniu forças e colocando  a mão sobre a maçaneta a destrancou, entretanto ao abrir,a sua frente,no chão, no meio do capacho um vaso com um lindíssima tulipa, sua flor preferida.Levou as mãos os lábios tomada por um misto de espanto e dor dilacerante, somente Cesar conhecia aquela preferência, porque quando juntos ,houve um dia que a pedira que escolhesse uma flor que fosse o símbolo de amor entre eles.Ninguém além do marido saberia tal detalhe,num relance viu que um rapaz aprontava-se a espera do elevador e o chamou:

_Ei! Foi você quem deixou essa tulipa aqui?

_Sim senhora, fui eu. - Objetou mesclando um chiclete.

_Talvez tenha se enganado. - Letícia não podia aceitar que aquela tulipa fosse para ela. Seria impossível.

_Não. - O rapaz foi firme. - _Aqui está o recibo, apartamento 1303, Letícia Alves de Prado? È a senhora?

A mulher gelou.

_Sim, sou eu. Quem a mandou?

_Não sei senhora, mas há um cartão no vaso, sou tão somente o rapaz das entregas.- Dando os ombros e entrando de vez no elevador que jazia a sua espera.De costas era retornou e ao fitar os olhos outra vez naquele vaso caiu de joelhos diante dela.As mãos tremiam.O coração disparou.Um temor lhe tomou os olhos,mas corajosa procurou pelo cartão, e outra surpresa lhe adveio,o cartão era de cor verde.Outro predicado que só Cesar conhecia,porque o pertencia,pela cor dos olhos dela serem verdes "furta-me a alma" como brincava, desenvolveu o costume de toda vez que um recado,um verso, uma bronca,um mero:Estou aqui. Ininterruptamente eram escritos numa folha de papel verde. E de novo estava diante dela, contudo como?

Letícia abriu as pressas o cartão e a ao ler o conteúdo da folha de papel cor furta-me a alma foi inevitável não deixar os mesmos olhos tão apreciados por ele se autoabsorverem em lágrimas de emoção. A letra, as palavras, os pontos, as vírgulas, eram todas dele.






Ali mesmo Letícia outra vez entregou-se a desgosto. Semelhava tudo se encaixar, parecia Cesar,explicando-se e agora fazendo vê-la o que de fato tinha feito,embora o motivo ainda não fosse aclarado.
Os dias passaram, e as tulipas também. Sim, desde aquele dia, todos os seguintes o entregador lhe via deixar uma tulipa. Sentia que de algum modo o marido deixara algo para que fosse compreendido uma vez que cada flor era acompanhada de uma mensagem. Depois de uma semana tomou fôlego e decidiu ir a floricultura saber de como aquilo teria sido feito por ele.A proprietária sorriu quando Letícia chegou,deu ares de esperar por sua presença ali mais ou menos dias.

_Boa Tarde. Meu nome é Le...

_Letícia Alves de Prado. - Completou a senhora sorridente e estendendo a mão.

_Como sabe meu nome?-Perguntou percebendo tratar-se de outro enigma.

_Poucas são as certezas da vida Dona Letícia, fora a morte poucas  nos restam,no entanto,em minha vida sei que jamais esquecerei do seu nome.Antes de tudo,permita-me dar os pêsames por sua perda que julgo ser irreparável.-Letícia recuou a mão após o cumprimento sincero da senhora que completou citando:

_Meu nome é Isabel.Creio que sua vinda até aqui seja devido o recebimento de suas tulipas.Estou certa?

_Sim.É o que me trouxe aqui.

_Compreendo. - Isabel recuou o olhar, indo para trás do balcão da loja apanhando um livro preto de capa dura. O abriu com cuidado, revirou folhas e ao achar volveu o exemplar para Letícia permitindo que lesse. A esposa de Cesar obedeceu e mais uma vez ficou abismada. Cesar tinha contratado e pago os serviços da floricultura por exato um ano, onde diariamente as tulipas deveriam ser entregues em seu apartamento a Letícia no mesmo horário, as três e dezesseis da tarde, hora em que  se encontraram pela primeira vez.De algum modo, a intenção dele era manter para companheira que acontecesse o que fosse,aquela hora e minutos jamais seria  esquecidos por ele.
E Letícia de novo chorou.
Isabel apanhou uma carta guardada numa gaveta. Outro envelope maior, porém verde, furte-me a alma.E veio o veio deslizando pela bancada até as mãos da moça e a dizendo:

_Seu marido me pediu que quando viesse aqui deveria entregar esse envelope e essa foto, deixou comigo para que eu a reconhecesse. Foi enfático quando falou:_Ela virá. -suspirou do mesmo modo comovida e terminou:
_E aqui está você.

Letícia apanhou o envelope, sorriu entre as lágrimas, e saiu porta fora correndo desesperadamente, invadida  por um ato tão lindo e ao mesmo tempo tão insano.Enquanto corria entre as pessoas, ruas e cruzava na frente de carros, somente uma coisa permeava a mente:

_Por quê?

Depois de correr por quase quinze quarteirões, as pernas cansaram, o fôlego faltou, não se pode fugir o tempo todo, a gente até se esconde, mas nunca para sempre. Sentou-se num banco de uma praça que não conhecia, respirou e após minutos recordou do envelope o apanhou delicadamente, chegou a relutar se deveria ou não abri-lo, e de novo pensou em Cesar, sim, ele gostaria que Letícia interpretasse o conteúdo que guardara no papel.












Um caminhão passado repetida vezes por cima teria deixado mais cacos dela do que aquela carta. Letícia odiou Cesar. Voltou à vida ou que restara da mesma e deixou por dias que as tulipas se aglomerassem em sua porta ao ponto de atrapalharem o direito de ir e vir dos vizinhos e afins que careciam da passagem.Depois de muitas reclamações, para evitar desgastes, decidiu por as tulipas para dentro, largou na entrada, no hall, mal olhava para as lindas flores que pareciam sorrir para a moça ressentida.Outra vez, a saudade bateu,outra vez nos braços das tulipas Letícia repousou seu corpo,sua alma e sua dor.Abriu todos os cartões,todos sempre rememoravam um dia, uma passagem, algo especial naqueles dez anos de convivência.
O sofrimento tem algo nobre, trás consigo um amadurecimento díspar, faz a gente ver o que não via, sentir o que não sentia, tolerar o que não tolerava e até continuar amando o que não merecia mais ser amado.
  E foi nesse surto de amadurecimento que se armou, preparou e resolveu  buscar pela tal Ana,se ela tivesse despertado o último sentimento de Cesar,Letícia queria conhecê-la,não para dizer verdades, saber se era pior ou melhor, quando a falta bate no peito tudo isso torna-se meramente fugaz e efêmero.É pequeno,o amor é maior, quebra  e ultrapassa certas barreiras antes intransponíveis. Ana era alta, grandes olhos, cabelos curtos e de riso fácil que se tornou triste quando Letícia apresentou-se explicando quem era.
Algo estava errado. Pairava no ar. Ana suspirou e depois de pedir a Letícia que sentasse no sofá da sala de seu escritório mordiscou os lábios e foi sincera:

_Sinto muito pelo que aconteceu com Cesar. Nunca cri que pudesse ter aquela  atitude quando lhe contei a verdade sobre mim.

O sol ensaiou raios na mente da esposa.

_Como assim a verdade Ana?

_Na noite anterior ao episódio contei a Cesar que não podíamos ficar juntos. Não estava convicta, queria um tempo maior para refletir a respeito.

_E ele?- Letícia indagou confusa. Ana a contemplou e mais uma vez foi franca:

_Contou-me que havia desfeito de seu maior tesouro por  uma bijuteria.

Letícia começou a entender os fatos.Despediu-se educadamente da jovem, e no caminho para casa lembrou cada segundo daquele dia no batente do prédio.

_Não faça isso meu amor... Cesar...

_Tem que ser assim Lê. Um dia vai entender...

E ao esticar a mão para o marido na tentativa de demovê-lo da insana ideia agiu com o âmago:

_Não importa o que aconteceu. Não importa se errou, se acertou,sou capaz de passar por cima de tudo, mas não sou capaz de viver sem você Cesar.

 Foi quando seu corpo descontinuou, seu rosto volveu para ela e sorrindo pareceu se arrepender e ver que ainda valia a pena inda que tivesse que ser iniciado do nada.Também nesse instante que elevou a mão,tudo aconteceu.
 Sobrevieram dias, meses, tulipas e cartões de cor verde furta-me a alma imbuídos de lembranças até que o última dia chegara.Era a última tulipa.Letícia encontrava-se feliz,fizera uma estufa,Cesar havia cumprido a última promessa,teria dito que um dia daria a amada a melhor razão do mundo para ter sua própria estufa.O mesmo entregador de um ano atrás foi quem trouxe a derradeira flor.Tocou a campainha, sorriu repousando nas mãos de moça e num aceno confessou:

_Foi um prazer Letícia.

_Muito obrigado Felipe.

 Letícia a levou para a bela estufa,deixou numa mesa e a contemplou por muito tempo, era como se aquela flor pudesse despertar todas as outras lembranças citadas nas outras.Foi até a cozinha e apanhou uma garrafa de vinho que Cesar guardara para segundo ele a melhor razão que lhe adviesse.Letícia  fitou a garrafa e falou consigo:

_Que melhor razão posso ter?- Abriu a garrafa, despejou na taça habitual, onde os dois bebericavam enquanto faziam planos. Voltou a estufa, olhou para tulipa e erguendo a taça como se o contemplasse a sua frente fechou os olhos imaginando o riso tímido dele sussurrou:

_Saúde meu único e eterno amor!

Encheu o peito e procurou o cartão,e como os outros no mesmo lugar.O abriu ,recostou-se na bancada e leu:









E Letícia sorriu, prosseguiu,e foi feliz com sua nova razão de viver.Quando Cesar encomendou e pagou pelas tulipas creu que estava dando a Letícia um novo horizonte, mas na verdade daria uma grande prova de amor.Talvez se não estivesse escorregado,teria cancelado as flores, talvez, talvez...O mundo é feito deles.A vida é feita de fatos.Uma coisa é certa:Quando há respeito,sempre haverá um modo de fazer o que precisa ser feito com carinho, consideração e sobretudo lealdade.O amor tudo espera,tudo sofre,tudo suporta,o amor nunca acaba.







Metallica - The Unforgiven

















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4 comentários:

  1. É uma pena Cesar passou pela vida sem conhecer o Amor, afinal tudo que ele teve foi ilusão, por Leticia, Ana e por si mesmo...
    Prova de amor não é deixar lembrancas que em dia e linda no outro e lixo, ainda mais se elas lhe lembram o quanto voce não era nada para a pessoa que preferiu desistir da vida do que brigar pra viver. Desculpe Danka mas não há "eu te amo" e muito menos adeus só tragedia....o pior é Leticia firmar um amor em um Bijû, e não em uma joia...

    “E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
    O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
    Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
    Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
    Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
    O amor nunca falha;” 1 Coríntios 13:3-8

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  2. Respeitadíssima sua opinião Kátia! Imagina! O melhor de escrever é isto, deixar o leitor retirar ou não aquilo que julgar interessante.Amei sua participação, espero sempre ter o prazer de sua opinião.Beijocas!

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  3. Ana Liz
    Danka, como sempre seus textos me trazem a reflexão de que a vida nem sempre é como deveria ser.Pena que após essa vida o amor tenha sido visto ou de algum modo valorizado. Amei! Lindo!

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  4. Rogério Mattos
    Danka Maia, amei a temática do texto em si.E sim,seria tão bom que certos erros pudessem ser concertados após a nossa ida deste plano como você tão bem abordou.Infelizmente nem sempre é possível ou alguém quer de fato ajustar as coisas.Afinal,quem disse que a vida é só feita de risos e amores ...e...e... Sinceramente,é um belo jeito de dizer adeus.
    Fã sempre!

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