Quem sou eu?

Danka Maia é Escritora, Professora, mora no Rio de Janeiro e tem mais de vinte e cinco obras. Adora ler, e entende a escrita como a forma que o Destino lhe deu para se expressar. Ama sua família, amigos e animais. “Quando quero fugir escrevo, quando quero ser encontrada oro”.

O HOMEM QUE NÃO ME AMAVA por Danka Maia







Avenca era amada. Amada por tudo e todos, amada pelos poros, tão amada que os rostos a sua volta não a deixava perceber o quão de verdade odiada ela poderia ser. 

Avenca

O breu de abril fazia com que os ramos da Colina do Véu de Noiva permeassem mais uma vez a neblina que deixava a velha casa na ponta do rochedo charmosa e emblemática como sempre. Por cem anos nas terras de sua família, a moça de quinze anos por ali colhia  história de seus antepassados. Era um orgulho quase imponente para os Reuters  Ziugánov. Um legado germânico e russo embevecido por cruéis batalhas dentro do próprio clã por aquelas terras. Avenca ininterruptamente relembrava da conversa que tivera com o avô Albert certa vez pelo assunto,quando lhe indagou a real diferença entre seus dois povos de origem,os alemães e os russos,recebera dele que mascava o fumo de um lado para outro em seus dentes amarelados,a seguinte resposta:


_ Nossos ancestrais Vikings são agressivos Avenca e os alemães quando necessário sabem ser cruéis até com suas entranhas.- Aquela frase nunca saiu da mente da menina, pois era um paradoxo do ambiente em que cresceu. Cheio de doçura, carinhos e mimos. A lógica se dava talvez, pois havia tudo isto exceto emoção. Essa era uma palavra impedida naquela casa apesar de ninguém jamais ter afirmado isto categoricamente.

A brisa fria deixava os pulmões da jovem irritados e uma alergia logo se abordava dela, sabendo disto Otavio seu tio logo brotava de qualquer lugar sempre com um olhar terno e um riso fácil acompanhado do mesmo agasalho repetindo o velho conselho:

Otávio


_Avenca menina de penca, fuja da alergia guria!- Otávio cuidava da sobrinha como uma filha. Não ter filhos biológicos fez com que o Engenheiro químico a escolhesse para o nobre cargo como herdeira do coração. Ele era louco por ela. Tinham conversas infindáveis, eram amigos, confidentes. Verdadeiros unha e carne. Nem parecia que indiretamente a moça impediu de ter sua prole,afinal, fora uma tentativa de salvar o pai de Avenca de um atentado quando um dos disparos lhe acertou nas partes reprodutivas causando uma mudança eterna em seu organismo e em seu casamento com a amarga Amélia, que passou a ser trava devido o incidente, pois para a mesma,Klaus o irmão defendido, não faria muita falta se tivesse morrido na ocasião.


Outra vez as histórias dos Reuters e Ziugánov viria à tona. Klaus fora o eleito pelo coração de Amélia, porém o recíproco não a adveio. Sua prima Flora foi à amada mãe dos filhos de Klaus e sua morte figurada nunca foi tão misteriosa assim para a nata da família. Todos sucessivamente souberam quem colocara o veneno no prato de canja da acamada mulher que foi definhando aos poucos, devido a quantidade acumulativa, mas inodora e insípida da solução escolhida. A boca pequena confessavam entre eles, tratar-se do crime perfeito.

Ela apanhou o agasalho das mãos do tio presenteando-o com um beijo quente em meio o ar gélido dos quintais, a saia jazia empanturrada de jabuticaba. Fruta que mesclava bem o eu da adolescente, afetuosa com tons de um leve azedinho de quero mais. Os pés no chão evidenciavam o quanto Avenca pouco se importava com a fragilidade de seu organismo franzino e de porte refinado, salvo pelos longos cabelos encaracolados e ruivos, num tom rubro escuro e os olhos mais verdes que as uvas-itálias das parreiras de sua avó que ficavam do outro lado da serra.
Gostava de correr com as mãos cheias do pequeno fruto, ainda que estes despencassem de por entre os dedos.Quem via facilmente de louca,de verdade. Era apenas uma menina experimentando o sabor da liberdade.
Na curva  entre o celeiro e galinheiro tropeçou num ancinho que não deveria estar lá,o que a deteve enquanto seu pai veio limpando as mãos após escutar a pancada.

_Outra vez Avenca? Você não tem tantos dedos com pensa minha filha!- Vindo ao seu encontro enquanto ela se dava ao deleite de parecer um anjo jogado na grama alta gargalhando e rogando:

_Venha logo meu amado enfermeiro!

Klaus

A relação entre pai e filha era única e especial. Klaus a venerava e mimava demasiadamente. Educara Avenca de modo simples, contudo rígido. A moça tinha suas regalias, no entanto, era cobrada por elas e suas responsabilidades. Mas Klaus era tão serviçal da filha que fazia vistas grossas para suas peraltices que não eram poucas. Dizia que enquanto a filha as cometesse e não estivesse nas mãos de nenhum dos meninos da cidade estava tudo certo, namoro sério só aos trinta anos brincava num tom de ordem e desespero ao mesmo tempo. Nem de longe esboçava a amargura que passara na vida quando precisou abandonar Roberta, seu grande amor. Uma moça maravilhosa da cidade vizinha, por quem era apaixonado. Klaus sabia que Flora seria a mãe de seus filhos, aprovada pela família, mas nunca ocultou que seu desejo, seu excitação era a fissura que guardava pela jovem estudante de veterinária, todavia esperta, Flora logo notou isso e ao lhe dar a notícia de sua gravidez não houve outra solução que não fosse dar um fim naquela tórrida paixão, tão tórrida que acabou não com o arremate do relacionamento, mas com o suicídio de Roberta e a carta de amor e dor endereçada a ele. Klaus jamais se perdoou pela morte dela.E deu a sua única herdeira o nome da flor que a jovem mais gostava.
O que em tempo algum esclareceu foi se tal ato foi uma forma de homenagem ou um lembrete como quem marca uma cicatriz e jamais se esquece de como  começou. Flora teve outros filhos, especificamente três, porém todos nasceram natimortos. Nos copos de vodca falava ser vítima da maldição do espírito enfurecido de Roberta.Eram nesses desabafos que discussões homéricas iniciavam entre eles, e em nessas mesmas brigas um olhar confuso era lançado sobre Avenca,que ainda criança compreendia muito pouco.Outra vez os podres dos Reuters e Ziugánov repercutia com veemência.
Saindo dali, a moça adentrou como um foguete pela cozinha da imensa casa. Sua avó paterna, Evina logo a interpelou:

_Entrou foguete mantenha pedestre mocinha! Isso são modos?

-Desculpe vovó. - rogou ofegante. - Tive uma tarde emocionante!


_Opa!- com dedo erguido a velha alemã advertiu rigorosamente. - O que já lhe disse sobre emoções? A vida não é feita de emoção. Precisa ser forte, e emoção não deixa você ser forte, Emoção trai você. - num sotaque germânico ainda pesado.

_Entendi. Danke!- agradecendo em alemão. - Com licença, dasvidaniya!- um até logo em russo.

_ Dasvidaniya?  Esse é o lado russo da família menina!

Logo subindo as escadas em direção ao seu impecável quarto branco. Se havia um refúgio, um pedaço de céu na Terra ou uma pequena ilha de águas quentes e deleitáveis para Avenca esse lugar era o seu quarto. Por mais hermeticamente que tivesse sido projetado, estivesse costumeiramente arrumado e perfeito (uma das exigências de seu pai), a adolescente encontrava-se ali como o rio que atina o mar.Não demorou muito para que Yuri, seu primo preferido e único por parte de mãe adentrasse o recinto  e jogar-se no clássico sofá restaurado de sua avó passado carinhosamente para Avenca.

Yuri


_Qualquer dia você quebra esse canapé e então teremos a terceira guerra mundial com a vovó Evina.- Disse remexendo as pontas dos pés enquanto refletia sobre sua tarde.

_Quem se importa. Não seria nenhuma novidade os alemães começarem mais uma guerra no mundo. - Zombou com sua gargalhada muito peculiar que acabava fazendo Avenca sorrir também. - Ergueu-se e deitou ao lado da moça como de costume e por um momento se calou e logo depois de um breve suspiro ela o interpelou:

_Está me olhando assim por quê?

_Nada. - respondeu o jovem bonito com porte de príncipe nórdico.- Tem jeito certo para olhar para ti agora é?

_Não, mas...

_Está indo longe demais com essa história de queridinha da família mocinha. - rindo de lado com um ar jocoso sem esconder o afeto diferenciado que nutria por ela desde sempre.

_Yuri... Nós já conversamos sobre isso depois daquele dia... - ela se referia quando numa festa do seu clã, em meio às acaloradas discussões os dois se afastaram e numa noite clara terminaram se percebendo como homem e mulher, embora de seus 12 e 17 anos e acabaram se beijando. Avenca nunca escondeu que fora com Yuri seu primeiro beijo, na verdade o segredo dava-se ao jovem, que apesar de um lindo rapaz, era tímido e um tanto misterioso ao ponto de até aquele momento jamais ter beijado alguém em sua vida tão pacata, monótona e sigilosa.

_Nem sei por que está relembrando isso Ave. - Como a chamava carinhosamente. - Nem me recordo mais dessa época. Águas passadas não movem moinho.

_Bem, eu só quis dizer que... - quando a impediu outra vez:

_Já disse Avenca, e eu já compreendi. Preciso ir!- levantando de súbito e rompendo a porta sem deixar que a adolescente terminasse  seu nome numa tentativa de demovê-lo daquela ideia da partida.
Yuri cresceu vendo Avenca como a flor da família. A princesa, a querida, a amada, e assimilou isso de um modo tão intenso que fez dela seu mundo e tudo. Mesmo no momento mais triste de sua vida, quando ele perdeu sua mãe num acidente de carro depois  dela ter tido uma acalorada briga com Flora,mãe de Avenca por questões do testamentos dos pais onde a irmã lhe tomara todos os bens através de uma procuração assinada sem grande cuidado. Flora passou a cuidar do sobrinho, mas nunca fez questão de ocultar que isto se dava pelo bem do que a sociedade espera do que pelo laço do amor familiar. Yuri jamais se revoltou contra a situação, todavia cresceu de um modo muito estranho daquilo que o mundo nos ensinou chamar de normal.

Albert



No dia seguinte era vez de seu passeio matinal com Albert. Esses passeios de charrete com seu avô eram memoráveis. Avenca amava escutar as histórias de Albert sobre o velho mundo, sobre a segunda guerra, a trajetória de sua família, a chegada da linhagem em terras brasileiras. Albert sempre sonhou em ter uma filha. Não ocultava até que preferia tê-las no lugar de seus dois varões. No entanto, as que vieram nasceram mortas e a distância entre ele e sua esposa nasceu dessas mortes. Ele era do tipo de homem que culpa a mulher por não ter os herdeiros que desejara nesse caso filhas. Portanto, transferiu para a menina todo amor que esse sentimento guardado misturado à frustração que pudesse ter.



Continua...
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