A blogueira americana Randi Delano, 32, cresceu em uma pequena cidade do Texas e sempre teve o sonho de conhecer outros países. Mas, em meio à crise financeira que assolou os EUA, se viu sem dinheiro. Um dia, achou o anúncio que mudaria sua vida: um laboratório remunerava mulheres para fornecer óvulos a quem não conseguia ter filhos. Randi decidiu passar pelo processo, doou seu material genético para duas receptoras e hoje dá a volta ao mundo com os US$ 16 mil que arrecadou
“Lembro-me de minha primeira grande viagem. Tinha 14 anos e fui para Washington em uma excursão da escola. Foi a minha estreia em um avião, em uma grande metrópole, e o primeiro vislumbre do que queria no futuro. Voltei para casa completamente apaixonada pela ideia de explorar o vasto território fora da minha pequena cidade texana, Orangefield, onde fui criada.
Tinha sido contaminada pelo que os viajantes chamam de wanderlust – a grande vontade de conhecer o mundo e se deslumbrar com ele. Sou a segunda de três filhos de uma típica família americana. Tenho um irmão mais velho e uma mais nova. Meu pai trabalha na indústria de petróleo e minha mãe é dona de casa. Meus irmãos lhes deram netos, mas eu, no entanto, sempre tive um espírito inquieto e livre. Decidi que não seria mãe e nunca mais me preocupei com esse tema.
Por isso, nem dei bola quando ouvi o termo ‘doação de óvulos’ pela primeira vez, aos 24 anos. Estava em uma sala de cinema em Manhattan [em Nova York], onde morava na época, quando vi uma propaganda sobre a venda de óvulos antes do filme. O anúncio me chamou a atenção – era uma maneira de ganhar dinheiro muito diferente de tudo que tinha visto –, mas pensei apenas que aquela era uma experiência que jamais teria. Logo pensei em outra coisa e afundei o corpo na poltrona para assistir ao filme.
O laboratório em questão oferecia US$ 10 mil para as mulheres que topassem doar suas células. A ideia de ser uma dessas pessoas não me pareceu, então, tão estapafúrdia. Na verdade, pensar que poderia ajudar alguém a criar uma vida pareceu, de repente, incrível. Comecei a considerar seriamente a possibilidade.
Como não sabia nada sobre o processo nem sobre os riscos que ele envolvia, resolvi pesquisar. Fiquei dias no Google. Encontrei sites que mostravam estatísticas animadoras, o risco parecia baixo. Apesar disso, vi também que, como a doação de óvulos é um procedimento relativamente novo – a primeira aconteceu em 1983 –, ainda não existem estudos definitivos que demonstrem a relação com infertilidade, câncer ou outros problemas de saúde a longo prazo.
Também achei, como era de esperar, histórias horrorosas de mulheres que tiveram superestimulação de óvulos, um dos problemas que podem acontecer durante o processo, [a superovulação pode gerar acúmulo de líquidos na região do abdômen, pulmão e até coração]. Algumas mulheres tinham perdido os ovários. A maioria desses relatos malsucedidos apontava também para a falta de cuidados adequados do laboratório. Por causa deles, entendi a importância de procurar uma clínica respeitada.
DOADORA, NÃO 'VENDEDORA'
Descobri vários programas em Nova York e um laboratório, em especial, me pareceu mais cuidadoso com suas doadoras do que os demais. Fiz uma inscrição pela internet sem colocar muitas expectativas de que receberia um retorno. Um mês depois, fui convocada para uma reunião. Isso significava que tinham gostado das minhas características físicas.
Também disse que o processo seria completamente anônimo e que receberia US$ 8 mil caso fosse selecionada como doadora – esse é o termo utilizado, e não ‘vendedora’, porque eu seria remunerada pelo tempo e esforço durante o processo, já que pagar por um tecido humano é antiético.
Fiquei apreensiva antes da conversa com a psicóloga; passar por uma avaliação desse tipo nunca é confortável. No primeiro encontro, ela perguntou o que eu fazia para viver, se tinha um relacionamento estável e como me sentia em relação à doação. Fui sincera e contei que achava o máximo poder ajudar uma mulher a ter filhos.
Meu namorado da época também me apoiou e em nenhum momento tive questões maiores sobre a criança, nunca me sentiria mãe dela. A psicóloga ofereceu seus serviços durante ou depois do processo. Também explicou que eu seria obrigada a renunciar a todos os direitos legais sobre a maternidade das crianças nascidas a partir dos meus óvulos. E, se não conseguisse gerar os óvulos para a doação, receberia uma quantia menor pelo meu empenho. Não hesitei.
Depois, passei por um minucioso exame médico. Fui proibida de fazer novas tatuagens. Na verdade, havia um monte de coisas que não poderia fazer durante o procedimento, que dura um mês inteiro: exercícios, beber álcool, sexo. Perguntei sobre os riscos do procedimento e só então me dei conta de quantas dúvidas ainda tinha. Ela foi honesta e direta e reiterou o que eu tinha lido: os riscos – aqueles que eu já tinha pesquisado, como a superestimulação – eram improváveis, mas possíveis.
Por semanas, se fosse escolhida, teria de aplicar sozinha hormônios em meu corpo, com injeções diárias. Eu nunca havia sonhado em fazer algo assim antes! A doação de óvulos é muito mais complicada que a doação de esperma; envolve doses cavalares de medicamentos e uma pequena cirurgia ao final, para retirar os óvulos de dentro dos ovários. Naquele momento, tive plena consciência do que estava fazendo. E resolvi ir em frente.
Viver todo esse processo de ser minunciosamente investigada e testada foi fascinante. Adoro tudo que é relacionado à ciência e à medicina. É verdade que fiquei um pouco apreensiva com medo de que algum exame apontasse uma doença desconhecida. Devidamente aprovada, deveria esperar uma receptora interessada em receber os meus óvulos.
Dias depois, recebi a notícia: uma das mulheres da clínica me escolhera e a data de início fora selecionada para o ciclo. Não pude receber nenhuma informação sobre ela, apesar de ter ficado curiosa. Dali em diante, teria que dar injeções no meu corpo sozinha e tomar um monte de medicamentos, hormônios fortíssimos.
SUPER-TPM
Nas duas semanas que se seguiram, tomei e apliquei os remédios. Tinha duas opções: poderia injetar nos culotes ou na barriga. Optei pelo primeiro e, apesar de um pouco estranho no começo, não sentia dor, só uma picadinha. Mas depois de alguns dias começaram a aparecer hematomas no local e resolvi aplicar a medicação na barriga. Para minha surpresa, era um lugar menos sensível, e foi onde terminei por fazer todas as injeções seguintes, sempre à noite.
Enquanto tomava os hormônios, fazia exames de ultrassom quase todos os dias para monitorar o crescimento dos folículos [membrana que ‘reveste’ o óvulo]. Em determinado momento, cheguei a 20 deles, e o médico disse que eles estavam prontos para serem fecundados. Dois dias depois, fui internada em um hospital para fazer a retirada.
Assim que cheguei, coloquei a camisola hospitalar, tirei sangue para exames e uma enfermeira me explicou como os eventos aconteceriam naquele dia. Isso ajudou a me acalmar um pouco – eu precisaria ser sedada, afinal. Ela me encaminhou para uma sala de cirurgia gelada, onde os médicos me esperavam. A enfermeira colocou um cobertor em cima de mim e, naquela hora, tive vontade de abraçá-la. Tomei a sedação e, em poucos segundos, o quarto desapareceu no escuro.
Acordei uma hora depois, grogue e tremendo. A enfermeira entrou quando eu estava acordando e perguntou como me sentia. Eu estava com frio. Ela sorriu e, de forma carinhosa, colocou outro cobertor em cima de mim, me deu suco e biscoitos. Quando me senti bem o suficiente para deixar o hospital, ela retirou o acesso da minha veia e deu as instruções da alta.
O processo de recuperação foi surpreendentemente fácil. Voltei ao trabalho no dia seguinte e me encontrei sonhando acordada com o fato de que meus óvulos estavam sendo fecundados em uma mulher que queria muito ser mãe. Usei todo o dinheiro para pagar dívidas e arrumar minhas contas.
VOLTA AO MUNDO
Um ano depois da primeira doação, tinha conseguido um ótimo emprego como organizadora de eventos de um escritório de advocacia, mas vivia com a incômoda sensação de que ele não me preenchia. Queria fazer algo que significasse mais para mim, como minhas viagens.
Encontrei um amigo que tinha voltado da América Central e me contou seus planos: faria uma volta ao mundo. Sua ideia era levar apenas uma mochila, ficar em albergues e usar ônibus como meio de transporte. Quando me convidou para acompanhá-lo, aceitei sem pensar. Nós nos conhecíamos havia dois anos e éramos bons amigos – chegamos a ficar uma vez, mas isso tinha ficado para trás.
Só que, ao fazer as contas para a viagem, percebi que minha poupança não era suficiente. Resolvi doar óvulos outra vez. O processo foi semelhante ao primeiro, mas desta vez tive complicações. Passei por uma hiperestimulação, que foi desconfortável e me deixou assustada. Meu estômago ficou inchado, sentia muita azia e tive cólicas.
Os médicos me acompanharam de perto. Detectaram o problema em um ultrassom e pediram repouso. Nevava muito em Nova York e me orientaram a deixar o trabalho por alguns dias para descansar o corpo. Tirei uma licença médica, mas não precisei ser internada. Segui com o processo e não tive mais percalços.
Escrevo este artigo de Phuket, na Tailândia, com a praia a poucos passos do meu hostel. Toda vez que vejo o pôr do sol no mar, penso em como cheguei até aqui. Então, me vem à mente a mulher que está, provavelmente, a ponto de dar à luz uma criança que tem meu DNA e que não sei se vai se parecer comigo. Será que ela vai, também, ter essa enorme vontade de viajar quando crescer? Mais do que tudo, penso na grande ironia: ao ter ajudado a criar uma nova vida para alguém, acabei, eu mesma, ganhando uma nova vida para mim.”
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