Quem sou eu?

Danka Maia é Escritora, Professora, mora no Rio de Janeiro e tem mais de vinte e cinco obras. Adora ler, e entende a escrita como a forma que o Destino lhe deu para se expressar. Ama sua família, amigos e animais. “Quando quero fugir escrevo, quando quero ser encontrada oro”.

“Casei Com Um Maníaco Sexual”

Na busca por um relacionamento alternativo, a produtoraMI mineira Luzia* se envolveu com um voyeur. Com o passar dos anos, ele se mostrou um homem obcecado por sexo com outras mulheres, capaz de abusar delas na frente da própria namorada
Imagem Google

Sempre gostei de viajar pelo interior de Minas Gerais, o estado onde nasci, moro e trabalho como produtora. Há anos tenho como hobby visitar pousadas, hotéis e acampamentos em cidades pequenas nos feriados e finais de semana na companhia de amigos. Há cinco anos, em uma viagem curta dessas, conheci o homem com quem tive meu último relacionamento. Separada havia dois, me sentia bem solteira, vivendo uma vida tranquila e gostosa com minha família e amigos. Não me sentia sozinha. Estava hospedada em uma pousada perto de Belo Horizonte e à noite teve um luau. Um trio tocava jazz na beira de uma fogueira enquanto conversávamos e tomávamos umas cervejas.


A dona da pousada, minha amiga, me apresentou o Fernando*, um homem alto, grisalho, bem-vestido, não tão bonito, mas muito charmoso. Trocamos apenas algumas palavras. Observando a distância, percebi que era um homem gentil e simpático. Tinha uma conversa boa. Parecia fino, elegante. Não me interessei sexualmente por ele, que também não me lançou nenhum olhar especial. Fui conhecer o Fernando melhor no dia seguinte, quando batemos o primeiro papo. Eu estava tomando uma cerveja com amigos em um bar e ele veio nos encontrar. Conversamos amenidades e eu fiquei impressionada com a cordialidade dele, que se mostrou uma companhia muito agradável. Quando estávamos nos despedindo, ele pediu meu telefone. Não encarei aquilo como uma cantada, achei que no máximo viraríamos bons amigos.

Depois de duas semanas, quando estávamos em Belo Horizonte, ele me ligou. Me chamou para tomar uma cerveja e ver uma apresentação de música da ex-namorada. Da maneira que ele falou, pareceu que tinha uma relação bem-resolvida com ela. Ingênua, topei ir. Mais tarde, fui perceber que aquela atitude era um traço do sadismo dele. Na verdade, eles haviam acabado de se separar e ele queria mostrar para ela que já estava acompanhado. Nesse dia, nos beijamos quando ele me deixou em casa. Não foi nada muito incrível. Para falar a verdade, nem lembro direito do beijo. Eu não tinha nenhum interesse especial por ele. Achava que o Fernando era uma companhia agradável, divertida. Saímos mais algumas vezes na companhia de amigos. Íamos a bares, assistíamos a shows. Dávamos uns beijos no carro, quando um pegava carona com o outro. Eu não estava apaixonada nem esperava que aquilo fosse virar um relacionamento. Transamos a primeira vez em uma pequena viagem que fizemos juntos pelo interior de Minas, mas não foi nada demais. A nossa relação não estava me tirando o sono.

“Lembro do dia em que fomos a um restaurante e, quando percebi, ele tinha dado um jeito de se encostar em uma atendente”
Até que um dia, depois de umas cervejas em um bar, ele me intimou. Fui deixá-lo em casa com meu carro. Na hora de ir embora, falou que me sentia pouco comprometida com a nossa relação. Disse que queria mais envolvimento da minha parte. Embora não estivesse apaixonada, achei que não tinha nada a perder ao arriscar um namoro. ‘Por que não?’, pensei. A partir daquele dia, comecei a me entregar mais a ele. Começamos a nos falar mais por telefone, viajávamos juntos. No início do namoro, cada um vivia na sua casa. Eu tinha uma filha de 20 anos que morava comigo e a outra estava casada. Ele tinha dois filhos, que moravam com a ex-mulher. Respeitávamos um o espaço do outro. Para ter algo em comum, alugamos uma casinha no interior, onde passávamos os fins de semana.

Uma das coisas que mais me encantou nesse homem no início do nosso relacionamento foi o temperamento livre que ele tinha. Fui me apaixonando aos poucos. Ele era artista plástico e gostava de me mostrar e dizer que vivia como libertino, sem amarras, sem seguir códigos de conduta, sem ser careta. Dizia que tinha alma de artista. Achava que o estar junto era por vontade e não por obrigação. Tinha uma coisa meio ‘Vinícius de Moraes’, meio ‘amante das mulheres’. Mas esse desprendimento se mostrou um problema grave ao longo do relacionamento.

A primeira vez que fiquei incomodada com essa ‘qualidade’ dele foi quando completamos um ano de namoro. Fomos a um bar ouvir música cubana, eu estava feliz. Ele passou a noite inteira olhando para uma desconhecida e não fez a menor questão de disfarçar o interesse por ela. Quase não conversamos, tamanha a fixação naquela mulher. Quando fui pagar a conta no caixa e me distanciei um pouco dele, eu o perdi de vista.

Minutos depois, encontrei o Fernando em um canto. Ele estava abraçando, acariciando e sussurrando no ouvido da moça. Estavam num amasso sem beijo na boca. Eles sequer se conheciam. Chocada, fiquei esperando ele vir até mim para perguntar o que estava acontecendo. Não consegui ter nenhuma reação. Eu não queria acreditar no que estava vendo.

Quando ele chegou perto de mim, veio logo dizendo, em um tom bastante agressivo, que eu tinha de me acostumar com o jeito dele, que ele era assim mesmo e, para ficarmos juntos, eu teria de aceitar esse comportamento. Não foi carinhoso nem pediu desculpas. Durante toda minha vida fui muito ciumenta com meus namorados. Comecei então a pensar se não era o momento de mudar minha concepção de relacionamento, repensar meus valores, minhas crenças. Queria aceitar viver um namoro mais livre. O problema é que só ele seria livre na nossa relação.

Os meses foram passando e fui percebendo que meu namorado era um voyeur e um exibicionista. Embora não quisesse aceitar o que via, comecei a reparar que ele sempre ficava na porta do vestiário feminino na esperança de conseguir ver uma mulher se trocando, mesmo que de relance, quando íamos a uma loja de roupas. Nos restaurantes, escolhia a mesa e a cadeira de forma que pudesse ver a porta do banheiro das mulheres. Quando íamos ao cinema, procurava uma poltrona ao lado de uma mulher bonita. Calculava a quantidade de degraus necessária para ver as calcinhas das mulheres nas escadas rolantes dos shoppings.

Quando percebia que ele estava fazendo essas coisas, eu logo desviava o olhar. Não queria acreditar que meu amor agia daquela forma. Até o dia em que fomos a uma pizzaria. Sentado do meu lado, Fernando começou a escorregar na cadeira. Escorregou, escorregou até quase ficar deitado. Fiquei me perguntando o que ele fazia naquela posição, abaixado, quando olhei para o lugar onde ele mirava. Uma mulher vestia uma minissaia na frente dele e sua calcinha ficava à mostra sempre que mexia as pernas. Não tive coragem de olhar para o pênis dele e ver se estava ereto. Aquilo tudo era muito aviltante para mim. Fiquei chocada, paralisada.


Meus primeiros anos de namoro foram marcados por uma enorme confusão mental. Ao mesmo tempo em que eu via essas cenas e ficava chocada com elas, não queria encarar a realidade. Tentava me convencer com o discurso dele, de que era um homem livre e sem amarras. Fazia de tudo para acreditar naquele papo de artista. Achava que eu estava errada em ser careta e conservadora. Depois de três anos de namoro, resolvemos morar juntos. Fernando mudou-se para minha casa.

Nossa relação piorou muito depois disso. Lembro de um dia em que fomos a um restaurante e, quando percebi, ele tinha dado um jeito de encostar o pênis na mão de uma atendente do local. Fiquei tão estarrecida que não consegui reparar na reação dela. Também não tive coragem de comentar nada com ele. Nesse dia chorei muito em casa, sozinha. Aquela cena voltava à minha memória e eu tinha vergonha de contar o que estava acontecendo para qualquer pessoa. Além de me sentir desrespeitada, tinha vergonha das atitudes dele.

Percebi que ele também dava um jeito de se encostar nas mulheres na fila do cinema, do supermercado. Em uma farmácia, ele fingiu que estava procurando um chá em uma prateleira e foi se aproximando de uma moça que estava sentada em um banco, de forma que o seu pênis ficou bem próximo da boca dela. Em ambientes públicos, como supermercados, ele se virava repentinamente para trás, de modo que a sua mão tocava ‘sem querer’ a genitália ou o bumbum de uma mulher. Tudo feito com grande sofisticação, como se realmente fosse acidental. Foram infindáveis as desculpas pela ‘distração’ e pelo ‘mau jeito’.

Parei de chamar a diarista porque tinha pavor que ela viesse de minissaia e ele a assediasse. Nessas ocasiões, ele saía do banho enrolado em uma toalha ou esquecia a porta do quarto aberta, para que ela pegasse algum lance e o visse nu. Uma vez em um hotel, a camareira bateu na porta e perguntou se gostaria que trocasse as toalhas. Ele estava de cueca, se cobriu com uma toalha, mas, na hora certa, deixou a toalha cair, para se insinuar.

Minha filha de 20 anos morava comigo quando ele se mudou para casa. Depois de alguns meses que o Fernando estava morando conosco, passei a não dormir à noite com medo de ele ir ao quarto dela. Quando ele levantava para ir ao banheiro, eu ficava ligada, ouvindo seus passos e cronometrando o tempo entre o momento em que abria a porta do banheiro e entrava no nosso quarto. Eu nunca falei nada com medo da reação dele. Ia dizer que era louca e havia inventado tudo. Tinha pavor de que se tornasse violento.

Nesse momento, nossa relação, que sempre foi instável, estava péssima. No começo, Fernando era uma companhia divertida. Com o passar do tempo, ele se tornou um homem distante, agressivo, nem um pouco comprometido com a minha felicidade. O sexo, que nunca foi o ponto alto da nossa relação, estava ainda mais raro. Eu continuava apaixonada por ele e até hoje não consigo entender por que eu me submeti a tudo isso. Aguentei essa relação tanto tempo porque não aceitava o que estava acontecendo. Não assumia que ele era um tarado, um pervertido.

Chorava escondido. Minhas filhas começaram a perceber que eu estava deprimida. Perguntavam o que estava acontecendo. Diziam que, se eu andava quieta, era porque algo estava errado, já que sempre fui alegre. Não tinha coragem de dividir meus problemas com ninguém.

No final do nosso relacionamento, ele começou a projetar em mim todas as pirações dele. Se no começo me desrespeitava apenas olhando para outras mulheres, no final me maltratava em público, me humilhava e ofendia. Tinha cenas de ciúme em bares, em restaurantes. A última cena dessas aconteceu quando estávamos em uma cidade do interior num fim de semana e ele bebeu bastante em um jantar. Começou a gritar e a bater as mãos no painel do carro. Ele me ofendeu, disse que eu seduzia outros homens. Chegou a dizer que eu era tão ‘vagabunda’ que até mulheres eu seduzia.

Naquele momento, lembrei de um ensinamento budista. A história é a seguinte: Buda estava andando em uma estrada com um discípulo quando apareceu um homem que colocou o dedo na cara dele e disse um monte de inverdades, o ofendeu. Buda ficou quieto e o homem foi embora. O discípulo voltou-se então para Buda e perguntou por que ele não respondeu. Ele disse o seguinte: ‘Quando alguém lhe dá um presente e você não aceita, com quem fica o presente? Esse sujeito foi embora com tudo o que ele trouxe’. Tomei consciência de que eu tinha passado quatro anos respondendo, aceitando esse ‘presente’ que o Fernando me dava. Resolvi virar Buda e deixar ele falar sozinho. Aquilo me trouxe uma calma impressionante.

Por sorte, peguei a chave do carro e não deixei ele pegar no volante. Dirigi 200 quilômetros, da cidade onde estávamos até BH, com ele gritando do meu lado. Eu estava centrada, até parece que outra pessoa dirigiu aquele carro. Chegamos em casa. No dia seguinte, às dez da manhã, falei que estava tudo terminado. Ele não pediu desculpas, não resistiu, nada. Foi embora com cara de bravo, como se eu estivesse errada. Depois desse dia, ele me ligou algumas vezes. Numa delas, me convidou para passar o réveillon com ele. Fiquei surpresa, ele não tinha entendido nada. Era tão egocêntrico que não percebeu que eu não queria mais nada.

Durante muitos meses, as cenas de desrespeito e agressão voltaram na minha cabeça. Comecei a fazer terapia para entender por que me sujeitei tanto tempo a essa relação com um homem perverso. Acho que graças a essa relação, aprendi a me preservar, a não deixar que os outros invadam aquilo que eu tenho de mais precioso, que é o respeito por mim. Depois do Fernando, tive dois casinhos passageiros, nada muito forte, mas gostoso. Ainda não estou pronta, mas acredito que um novo amor pode me conquistar.






Fonte: Revista Marie Claire
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