Quem sou eu?

Danka Maia é Escritora, Professora, mora no Rio de Janeiro e tem mais de vinte e cinco obras. Adora ler, e entende a escrita como a forma que o Destino lhe deu para se expressar. Ama sua família, amigos e animais. “Quando quero fugir escrevo, quando quero ser encontrada oro”.

“Consegui reencontrar a felicidade depois de perder três filhas em uma tragédia”

 “Consegui reencontrar a felicidade depois de perder três filhas em uma tragédia”

Jackie Hance, 42 anos, deixou o trabalho para se dedicar às três filhas em tempo integral. Tudo mudou numa manhã, quando sua cunhada destruiu o carro que levava as meninas em um acidente. Destroçada pela perda, entrou em depressão e pensou em suicídio. Após um ano e meio, atendeu ao apelo do marido de engravidar novamente.

Jackie Hance, o marido Warren e as três filhas do casal, Emma, Alyson e Katie, antes da tragédia (Foto: Newscom/Glow Images)

“Assim que me casei, em abril de 1999, larguei a carreira e parei de tomar pílula. Trabalhava na Barnard College, em Nova York, e gostava de meu emprego. Mas, aos 25 anos, queria ter um filho. Um não, vários. Meu grande sonho sempre foi ser mãe. Meu marido, Warren, queria muito formar uma família também. Não demorei a engravidar: logo tive três lindas meninas – Emma, Alyson e Katie.
 
Elas se tornaram a razão da minha existência e nunca me arrependi de ter parado de trabalhar para cuidar delas em tempo integral. Adorava preencher meus dias em função de suas agendas, das aulas que tinham, dos ensaios de teatro. Fazia questão de estar presente em todos os momentos. Naquela época, no entanto, nem me passava pela cabeça que elas pudessem ser arrancadas de mim, levando junto todo o sentido de estar no mundo [o drama é contado no livro "Até que o Tempo Nos Reúna", Fontanar, 270 págs., R$ 29,90].

Quando as meninas não estavam por perto, ao contrário de muitos pais que veem o tempo livre como uma bênção, eu ficava perdida. Não acho que isso seja certo, nem que funcione para todo mundo, mas era como me sentia. E foi assim naquele fim de semana de verão, há cinco anos, quando elas foram acampar com os tios Diane e Denny e seus dois filhos (primos delas).

"Quando as meninas não estavam por perto, ao contrário de muitos pais que veem o tempo livre como uma bênção, eu ficava perdida."
 
Minha cunhada amava minhas meninas como se fossem suas próprias. E elas também a amavam, estavam animadas em viajar com os primos. Emma tinha 8 anos, Alyson, 7 e Katie, 5. Minhas filhas haviam feito a mesma viagem no ano anterior e estavam excitadas para ir de novo.

No fim da tarde de sábado, falei com as garotas pelo telefone e elas estavam se divertindo, muito felizes. Pegariam a estrada de volta no domingo de manhã e não via a hora de reencontrá­-­las. Emma, a primogênita, teria ensaio para sua apresentação de "A Bela e a Fera", que aconteceria no fim de semana seguinte.

Warren, meu marido, estava bem tranquilo com a ausência das meninas, certo de que elas estavam em boas mãos e se divertindo bastante. Tanto que até marcou de encontrarmos um casal de amigos naquela noite, para aproveitar nosso raro tempo sem crianças. E realmente foi muito gostoso.

 
 
Jackie com as três filhas (Foto: Divulgação) No domingo de manhã, Emma ligou para o escritório de Warren e disse que se atrasariam um pouco para sair (meu marido tem uma empresa de avaliação imobiliária e algumas vezes tem de trabalhar aos finais de semana). Preocupada com a demora, liguei para Diane para saber se estava tudo bem e ela me explicou que eles haviam se atrasado um pouco – a logística de cinco crianças é complicada –, mas que logo estariam conosco.
 
Só que às 12h58, o telefone de casa tocou e já não estava mais tudo bem. Era minha Emma, ligando do carro, assustada, dizendo que ‘tinha alguma coisa de errado com tia Diane’. Meu coração disparou. Ouvi ao fundo o choro de um dos primos das meninas, e Diane pegou o telefone. Disse que as meninas estavam só brincando, mas notei que sua voz estava estranha. Tinha a fala arrastada e dizia coisas incoe­rentes. Pedi para conversar com Emma de novo, mas ela seguiu com as frases sem sentido e desligou.
"Às 12h58, o telefone de casa tocou e já não estava mais tudo bem. Era minha Emma, ligando do carro, assustada, dizendo que ‘tinha alguma coisa de errado com tia Diane’. Meu coração disparou."
 
Na hora telefonei para meu marido. Queria que ele falasse com a irmã e tentasse entender o que estava ocorrendo. Warren ligou para Diane e mandou que ela parasse o carro onde estivesse que ele iria buscá­-las. Implorou para ela não continuar dirigindo, pois percebeu que havia algo errado. Na hora pensamos que talvez ela tivesse tido um ataque epilético ou um derrame. Eu tinha certeza, pelo que conhecia de Diane, uma mãe cuidadosa e responsável, que ela pararia o carro no acostamento e esperaria por Warren.

Assim que ele saiu pela porta, liguei para a emergência da polícia para pedir ajuda. Depois, para Danny, meu cunhado, que talvez tivesse alguma ideia do que poderia ter acontecido, afinal, havia estado com Diane naquela manhã. Ele havia ficado no trailer para terminar de arrumar as coisas e, como estavam em carros separados, saiu de lá depois dela. Diane dissera a ele que viria até nossa casa deixar as meninas. Ficou desesperado quando soube que ela ainda não chegara. Pegou o carro e saiu para encontrá-la, pois sabia o caminho que sua mulher costumava fazer.

 
 
O tempo foi passando e o pesadelo continuou. Warren e Danny não encontravam o carro em lugar algum, nem com a ajuda da polícia, que a essa altura já estava em ação. Até que tocou o celular de Brad, marido da minha vizinha, que estava na minha casa para dar uma força. Era meu marido, histérico, do outro lado da linha. Brad só escutava, depois ficou de pé, apoiou-se na parede e pediu calma. Eu podia ouvir meu marido aos gritos. Quando desligou, Brad olhou para mim com o rosto transfigurado. Ele só conseguiu dizer: ‘Jackie, elas se foram’. Fiquei olhando para Brad sem entender, que repetiu: ‘Elas se foram, Jackie, eu sinto muito’.
"Diane não havia estacionado no acostamento, como pedimos. Bateu de frente com outro carro. Ela, a filha de 2 anos, Emma e Alyson morreram na hora. Katie chegou com vida ao hospital, mas não resistiu."
 
Saí de casa correndo, aos berros. Gritando, me esgoelando. Não dizia nada, só conseguia uivar com aquela tragédia. Corri muito rápido, para longe, com a ilusão de que, se me afastasse de lá, fugiria do horror. Os vizinhos começaram a sair das casas assustados com meus urros e me chamavam, mas eu só conseguia correr. Nem sei como voltei para casa naquele dia. E todos os dias seguintes foram tão nebulosos e confusos quanto aquele. Houve o velório, o enterro. Cinco caixões brancos enfileirados. Todos enterrados no mesmo jazigo.

Fui descobrindo a história aos poucos. Só muito tempo depois entendi completamente o que havia acontecido. Diane não havia estacionado no acostamento, como pedimos. Ela parou de atender ao celular e seguiu para a estrada em direção ao norte, não ao sul, onde morávamos. Bateu de frente com outro carro.

Ela, a filha de 2 anos, Emma e Alyson morreram na hora. Katie chegou com vida ao hospital, mas não resistiu. Os três ocupantes do outro carro também se foram. O único que saiu com vida foi Brian, filho mais velho de Diane. Naquele dia, eu também perdi minha vida. Danny também havia perdido o chão, junto com quase toda sua família. E, assim como eu, não imaginava o que ainda estava por vir.


Capa do livro "Até que o Tempo Nos Reúna", em que Jackie Hance relata a tragédia que mudou completamente sua vida e como superou a perda das três filhas (Foto: Divulgação)


Menos de uma semana após o acidente, saiu o relatório toxicológico de Diane. Até então, apesar de não termos respostas claras sobre o que teria acontecido, Warren e eu estávamos perturbados e confusos demais para tirar qualquer conclusão. Acreditávamos que ela tivera um problema de saúde. Mas a polícia tinha uma resposta atordoante: Diane estava bêbada na hora do acidente. Seu nível de álcool no sangue era mais que o dobro do limite legal.
 
 
A polícia descreveu a quantidade como o equivalente a dez doses de vodca consumidas em menos de uma hora. E encontrou uma garrafa da bebida aberta em meio aos destroços. Havia também evidências de que ela teria fumado maconha menos de uma hora antes de bater o carro.

Nas semanas seguintes, sofri uma amnésia factual. Todos os dias acordava sem lembrar do que tinha acontecido. Perguntava pelas meninas, dizia que tinha que descer para preparar o café da manhã e o lanche da escola. E todos os dias tinham de me dar a notícia de novo. Um dia, levantei da cama e tropecei numa das minhas amigas, que dormia no corredor, em frente ao meu quarto. Meus amigos fizeram um esquema de plantão na minha casa para que nunca ficasse só. E todas as manhãs me mostravam o mesmo jornal com a notícia do acidente.

"Diane estava bêbada na hora do acidente. Seu nível de álcool no sangue era mais que o dobro do limite legal. A polícia descreveu a quantidade como o equivalente a dez doses de vodca consumidas em menos de uma hora."
 
Mesmo tomando remédios todos os dias, desejava morrer para ficar perto das minhas filhas. Cheguei a pedir para o Warren me matar para ir cuidar delas no céu, porque, se cometesse suicídio, talvez fosse para outro lugar. Ele ficava irritado, apavorado com minhas palavras. Então amea­cei matá-lo. Na minha fantasia, assim ao menos um de nós dois poderia ficar com elas. Um dos pais precisa estar perto das meninas. O casamento desandou, claro. Bastava um olhar para o outro para lembrar da dor. No nosso caso, ainda havia a raiva que eu projetava nele.

Todas as vezes que olhava para Warren, pensava: ‘Foi sua irmã que destruiu nossas vidas’. Não era justo culpá­-lo pelo que ela fizera, mas não havia ninguém mais para odiar. Começamos a brigar tão asperamente que os amigos não nos deixavam sozinhos. Raiva, culpa, dor e ressentimento formam uma combinação explosiva. Como sentir carinho por alguém se você não tem coração? Depois que elas se foram, me sentia com um enorme vazio no peito. Não conseguia mais dizer ‘te amo’. Quando Warren tentava me abraçar, simplesmente deixava o corpo mole até que o abraço terminasse.

 
Alguns meses depois, um casal de amigos nos convidou para ir à praia. Achavam que sair daquele ambiente cheio de tristeza e luto nos faria bem. Foi quando consegui sentir, pela primeira vez, alguma coisa pelo Warren de novo. E foi a primeira vez que fizemos sexo desde o acidente. Eu me permiti, por alguns minutos, deixar de lado o horror profundo do qual não conseguia esquecer em outras situações. Foi bom sentir meu marido perto de mim, mas me senti culpada no mesmo instante. Não conseguia conceber a ideia de me sentir bem ou de ter prazer, já que as meninas haviam morrido.

Não demorou para que os amigos começassem a dizer que eu deveria ter mais filhos. Estava com quase 40 anos e a teoria parecia ser a seguinte: se minha vida tinha sido brutalmente arrancada de mim, era preciso começar outra. Honestamente, todos pareciam loucos. Filhos são insubstituíveis e eu já tinha três. Queria ser a mãe delas e não de outra criança!

"Todas as vezes que olhava para Warren, pensava: ‘Foi sua irmã que destruiu nossas vidas’. Não era justo culpá­-lo pelo que ela fizera, mas não havia ninguém mais para odiar. Começamos a brigar tão asperamente que os amigos não nos deixavam sozinhos."
 
Também estava instável emocionalmente e não me imaginava cuidando e muito menos amando uma pessoa. Além disso, depois de três gestações difíceis, nas quais enfrentei fortíssimas alterações de humor e depressão pós-parto, eu tinha ligado as trompas. Mas, convencida por uma amiga, fui conversar com um médico amigo dela, especialista em fertilização in vitro. Saí de lá achando aquilo tudo absurdo, enquanto Warren parecia dividido entre uma ponta de esperança e o medo. Éramos dois seres humanos vazios, destroçados por uma dor que nunca iria embora.

Alguns dias depois, saí para resolver umas coisas e, no meio do caminho, tive uma crise de choro. Estacionei o carro, me debrucei no volante e chorei compulsivamente. Fazia isso todos os dias desde o acidente, mas naquele momento o choro era por um motivo diferente: pela primeira vez, me dei conta de que, durante um ano e meio, estive presa, sem sonhos, propósitos ou objetivos. Percebi que não conseguia pensar no futuro porque só vivia o passado. Uma parte de mim, então, entendeu que o que eu tinha perdido não seria reencontrado jamais. Era hora de olhar para a frente.

 
Combinei com Warren que faríamos três tentativas de implantar embriões. Ele tinha muito receio de que, se eu não engravidasse na primeira, mergulhasse novamente em uma depressão profunda e cometesse suicídio de fato. Mas engravidei. E, no dia em que descobrimos, ficamos felizes. Foi a primeira vez, em um ano e meio, que sentimos uma faísca de alegria em nossas vidas. Ainda demorou um tempo para que parasse de me sentir culpada por estar feliz, mesmo que um pouco ou por alguns momentos. Achava que estava traindo minhas meninas.
"Kasey trouxe de volta um coração para uma casa oca" (Foto: Divulgação)
 
Mas, com a chegada de Kasey, aprendi que alegria e tristeza podem coexistir. Essa menininha linda que hoje está com 3 anos trouxe de volta um coração para uma casa oca. E mostra, todos os dias, um pouco de cada uma de suas irmãs para mim. Ela também me fez ser uma pessoa capaz de amar de novo. Hoje, posso dizer que a amo e também Warren, meu marido e porto seguro.
"Com a chegada de Kasey, aprendi que alegria e tristeza podem coexistir. Essa menininha linda que hoje está com 3 anos trouxe de volta um coração para uma casa oca"
 
Foi graças a Kasey, também, que consegui perdoar minha cunhada. Se tristeza e alegria podem coexistir, certamente amor e ódio não. E perdoar Diane foi muito importante em meu processo de reaprender a amar. Ainda não sei por que ela fez o que fez. Fui ao cemitério e disse, tocando na lápide dela, que a desculpava.

Com Emma, Alyson e Katie me dediquei com tanto afinco à maternidade que acabei deixando todo o resto da vida de lado. Era muito feliz enquanto vivia apenas como mãe, mas, quando tudo acabou, e de uma vez, o choque foi imensurável. Agora, com Kasey, optei por fazer diferente. Trabalho meio perío­do no escritório de uma empresa da área médica e me dedico também à fundação que criamos para manter viva a memória das meninas, a Hance Family Foundation, que promove apoio educacional e psicológico para crianças.

Foi pela memória delas que resolvi, também, escrever o livro "Até que o Tempo Nos Reúna". Queria que as pes­soas tivessem a chance de conhecê-las: que a mulher que um dia poderia ter sido a sogra de Katie soubesse como ela gostava de dar abraços. E que os amigos que Aly viesse a ter soubessem como ela era uma companheira alegre. E que Emma, minha estrelinha Emma, poderia estar brilhando nos palcos de um teatro.”


Que História!



Fonte: Revista Marrie Claire
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