Ela era a mulher mais feliz da casa, da
rua, da cidade, do país e sim, também do mundo. Amália perdera os pais num
acidente de carro aos sete anos, os avós aos quinze e ao vinte dois o único
amor com quem se casara e tivera os gêmeos: Guilhermo e Antunes. Ela era gorda,
baixa, pele manchada e de cabelos muito crespos e desbotados. Tinha um busto imenso,
pernas arqueadas, era professora, ganhava pouco, não dava quase para nada.
No trabalho, riam dela, pais, mestres
e alunos. Parecia insulto, mas Amália ria de tudo sempre chupando uma bala.
A vida passou para ela como quem
passa aos olhos de um presidiário, sol quadrado, feio, um descaso. Porém, o
crime dela era ser feliz apesar de tantas perdas lastimáveis, irreparáveis e
dores insuportáveis.
Ninguém a nunca a visitava, nem mesmo
os filhos depois de crescidos e que diziam ama-la.
Amar Amália, que mal há?
Ela jamais chorava, falava que a água
das tais lágrimas foi levada com os móveis da última enxurrada que acabou com
sua casa, mas não com seu lar. Não se importava, dava os ombros, ria e dizia:
— Há forças em meus braços? Então
borá lá!
E a vida foi passando.
E quanto mais a mesma vida lhe dava
razões para ser infeliz por competência, Amália simplesmente sorria ignorando
tudo e todos, andando só com a sua consciência.
Um dia depois da última tragédia, um
dos filhos morrera com a mulher e os dois netos numa viagem, a vizinha decidiu
ir visitá-la.
Estava visivelmente abatida, mas
aquele sorriso, aquele teimoso riso estava lá.
— Como você consegue mulher? —
perguntou a vizinha com a mão no queixo.
Amália sentou-se na cadeira de
balanço começando a dissertar:
— Conta-se uma história que um dia
uma senhora apaixonou-se por um homem, que na verdade era um encanto, ela a terra
só vinha de dez em dez anos. Durante toda a vida da mulher, ela só o viu cinco vezes.
Cinco vezes em cinquenta anos. Morreu e ao chegar às portas do céu, alguém a
indagou: “— Foste feliz na Terra?”, ela abriu um riso lindo e profundo
respondendo: "— Sim, eu fui feliz e fui fiel”.
A vizinha parou refletindo e
depois de alguns minutos e um gole no café que acabara de fazer retrucou:
— Você é a tal mulher e o homem a
felicidade?
Amália sorriu serena dizendo:
— Sim, de sorte ela sou eu. E sim a
felicidade em minha vida pode ser este homem, mas no meu caso nem cinco vezes
se quer a vi.
— Se morresse hoje, dirá que foi
feliz e fiel a esta felicidade?
— Sim. — respondeu firme.
— Por que Amália? — a vizinha interrogou.
— Tudo que a vida te fez foi sofrer e a
felicidade nunca te visitou!
— É verdade, eu sei. — confessou. —
Mas esse é o segredo da felicidade, se você for fiel a ela, ainda que nunca a
veja, mesmo que como um amante que te abandona e te ignora, a sua fidelidade de
buscá-la, fará de ti uma pessoa alegre ou como eu, a mulher mais feliz do
mundo.
— Por quê?
— Porque nunca cri que depois de
tantas perdas ainda poderia ser infeliz.
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