Quem sou eu?

Danka Maia é Escritora, Professora, mora no Rio de Janeiro e tem mais de vinte e cinco obras. Adora ler, e entende a escrita como a forma que o Destino lhe deu para se expressar. Ama sua família, amigos e animais. “Quando quero fugir escrevo, quando quero ser encontrada oro”.

“A MUSA” de Marcelo Brando



Sentado a mesa para o café da manhã, Drawzio não reparou que já passara longos segundos na simples tarefa de mexer o açúcar com a colher. O tilintar do talher soava quase como um mantra, mergulhando o sonolento homem numa espécie de transe. O olhar era vazio e a feição sem vida, não fosse o movimento da mão facilmente passaria por um triste painel.
O homem de pouco mais de quarenta anos não conseguia se acostumar com o silêncio nesta hora qua antes lhe enchia de prazer. Nada de risos, o aroma menos açucarado e a falta do perfume de jasmim, pintavam o cenário com pesados tons cinzentos. Sobre a mesa uma xícara de café forte e uma fatia de pão com manteiga fora o que restara para iniciar o dia, que certamente seria idêntico aos anteriores.
Eu poderia contar a trágica história de Drawzio Furlan e de como passou de um ilustre e bem sucedido artista plástico para um arremedo de si mesmo, mas tornaria este conto uma narrativa triste e desmotivaria aos poucos interessados em continuar a leitura. O fato é que em pouco mais de quatro meses, Drawzio perdeu a esposa grávida, a inspiração para o trabalho e também a vontade de viver, tudo numa única e cruel jogada do destino. Do acidente de arro só restaram lembranças em flashs e cicatrizes que nunca fechariam. A rotina do ex escultor, resumira-se ao café sem graça, uma rápida leitura no jornal diário e uma mais rápida ainda zapeada pelos canais de televisão. Rotina certa, fizesse chuva ou sol, findando as tardes mal iluminadas através das frestas das cortinas, ou sobre o sofá ou mergulhado entre os lençóis em sua cama.
Olhando para o teto do seu quarto o escultor já não chorava mais. Não tentava buscar em sua memória os momentos felizes ao lado da esposa nem mergulhava mais em depressivas crises de auto comiseração. Os sentimentos eram mudos e a dor não lhe incomodava mais. Na bancada de trabalho que dividia espaço com seus móveis em seu quarto, entulhavam-se trabalhos não terminados. Bustos sem rostos, faces esculpidas pela metade e desenhos rascunhados que refletiam um coração anestesiado e sem ânimo. Obras de um artista morto.
Naquela rotina lúgubre e sem expectativa de mudanças, uma única coisa se mostrava inalterável, a estranha mania que Drawzio desenvolveu em dormir com a luz do quarto acesa. Não se sabe se era medo do escuro ou das lembranças, o fato era que noites mal dormidas só poderiam ser possíveis as claras. No primeiro dia do quinto mês do infindável luto de nosso triste protagonista, a rotina sofreria uma leve alteração, mas que traria interessantes consequências. O sol nasceu, o café parecia mais frio do que o normal.
Era mês de maio e o frescor do outono já instalava-se com mais autoridade nas manhãs cobertas de orvalho. No jornal as manchetes disputavam as páginas entre anúncios de shows, tragédias policiais e as consequências de apagões na capital. O desinteresse era a única certeza neste ritual matinal. Um programa sobre vidas passadas chamou atenção do escultor quando mudava de canal, mas o interesse durou poucos minutos. Parecia que vida não era um tema capaz de lhe preencher aquele vazio desagradável. Quebrando toda a rotina auto imposta a qual já se acostumara,
Drawzio buscou em seu quarto, não se sabe se movido pelo documentário na TV ou se pelo simpático som de chuva que tocava suave as telhas de sua varanda, entre caixas e envelopes na gaveta de sua escrivaninha, antigas fotos de Suzane, sua finada esposa. Sentado na cama desarrumada, o homem sem vida sorriu. Recordou planos, vozes, até sentiu o jasmim assaltar seus sentidos e percorreu com os dedos a silhueta do ventre da bela jovem na fotografia. A quebra de rotina lhe trouxe o sono mais cedo naquele dia. entorpecido pela saudade que por algum tempo parecia ter lhe abandonado, Drawzio adormeceu, sempre iluminado pela luz fluorescente do seu quarto cativeiro.
Não fora preciso mais que um fraco trovão para acordar nosso atordoado herói, mas algo mudou no cenário esperado. A escuridão imperava no quarto do triste escultor. Num sobressalto, Drawzio sentou-se na cama e zonzo tentou entender o que acontecia. - Um apagão – pensou o escultor, fitando o escuro e tentando se refazer do susto. Tateando os móveis do quarto, caminhou até a bancada e logo localizou a parede próxima a porta. Seguiu instintivamente em direção ao interruptor e reafirmou sua suspeita. - Sem energia – concluiu e logo surpreendeu-se novamente com um segundo trovão, este mais forte que o último e que iluminou parcialmente o negrume do cômodo. Algo lhe intrigou. Refeito do novo susto, cerrou os olhos na tentativa de enxergar algo que lhe pareceu surgir a vista após o recente clarão. Esfregou os olhos e desfez a cisma. - Bobagem.
Não via muita utilidade em tentar acender uma vela ou uma lanterna, então voltou em direção a cama, cuidando para não tropeçar em algo na escuridão. Arrastando os pés descalços no carpete do quarto, caminhava com cuidado e tateava o vazio pausadamente. Seus dedos tatearam algo que parecia estar numa altura acima do nível da cama, então parou. Uma conhecida sensação parecia lhe tomar a pele. Num arrepio que em poucos segundos percorreu todo o seu corpo, Drawzio retraiu a mão e estacou onde estava. Coberto por um silêncio quase palpável, podia escutar o próprio coração se debatendo dentro do peito. Um suor frio escorria por sua testa e a razão nunca fora tão desejada naquele momento. - É tudo bobagem homem, não tem nada aqui na frente, deixe de devaneios...- sussurrava o escultor paralisado diante do breu opressor. Usando sua lógica como escudo e armando-se de uma falsa coragem, Drawzio esforçou-se para novamente estender sua mão rumo ao vazio e ensaiar um novo passo. Tudo o que menos esperava naquela insuportável fração de segundos era o que estaria prestes a acontecer.
O terceiro relâmpago. Chicoteando o ar, retumbou os céus da noite com um forte trovão e , infelizmente, iluminou o quarto de nosso tenso e apavorado personagem. Ninguém deseja ser contrariado, principalmente se suas alegações eram embasadas em lógica e se a quebra desta lógica pode fazer cair por terra tudo aquilo em que se acredita. - Será que enlouqueci? - balbuciou estupefato. A silhueta que se formou a sua frente era densa, sólida e visivelmente palpável. Desenhada no ar aceso pelo relâmpago, a figura de uma pessoa surgiu diante dos olhos do escultor. Clareada por meros segundos a forma de uma mulher preencheu o vazio do quarto e dos olhos cegados de Drawzio Furlan. O som da chuva caiu pesado em seguida e durante toda a noite não houve mais raios. Ajoelhado no local onde vislumbrava o vulto fugas, o homem permaneceu durante muito tempo ofegante, sem coragem de se levantar.Arrastando os pés descalços no carpete do quarto, caminhava com cuidado e tateava o vazio pausadamente. Seus dedos tatearam algo que parecia estar numa altura acima do nível da cama, então parou. Uma conhecida sensação parecia lhe tomar a pele. Num arrepio que em poucos segundos percorreu todo o seu corpo, Drawzio retraiu a mão e estacou onde estava. Coberto por um silêncio quase palpável, podia escutar o próprio coração se debatendo dentro do peito. Um suor frio escorria por sua testa e a razão nunca fora tão desejada naquele momento. - É tudo bobagem homem, não tem nada aqui na frente, deixe de devaneios...- sussurrava o escultor paralisado diante do breu opressor. Usando sua lógica como escudo e armando-se de uma falsa coragem, Drawzio esforçou-se para novamente estender sua mão rumo ao vazio e ensaiar um novo passo. Tudo o que menos esperava naquela insuportável fração de segundos era o que estaria prestes a acontecer.
O terceiro relâmpago. Chicoteando o ar, retumbou os céus da noite com um forte trovão e , infelizmente, iluminou o quarto de nosso tenso e apavorado personagem. Ninguém deseja ser contrariado, principalmente se suas alegações eram embasadas em lógica e se a quebra desta lógica pode fazer cair por terra tudo aquilo em que se acredita. - Será que enlouqueci? - balbuciou estupefato. A silhueta que se formou a sua frente era densa, sólida e visivelmente palpável. Desenhada no ar aceso pelo relâmpago, a figura de uma pessoa surgiu diante dos olhos do escultor. Clareada por meros segundos a forma de uma mulher preencheu o vazio do quarto e dos olhos cegados de Drawzio Furlan. O som da chuva caiu pesado em seguida e durante toda a noite não houve mais raios. Ajoelhado no local onde vislumbrava o vulto fugas, o homem permaneceu durante muito tempo ofegante, sem coragem de se levantar.o vazio se deparava a sua frente. Mas uma coisa nasceu de bom desta loucura (ou não) passageira. O escultor voltou a trabalhar. Dia após dia, o rosto sereno da mulher das sombras, surgia do barro, do gesso e da madeira, estampando o ateliê abandonado, como se uma velha centelha fosse acesa donde somente cinzas amontoavam-se. O sorriso da jovem musa escondia algo de sabedoria, como se desde sempre soubesse a resposta daquele enigma fenomenal.
Vinte anos já se passaram desde que Drawzio Furlan encontrou a jovem musa dentre as sombras de sua tristeza. Vinte anos que lhe renderam muitas exposições daquele rosto que nomeou como “Bruna”, a mulher das sombras.
O escultor alega que sua incansável busca por novos contatos nunca cessou, mas estas buscas também lhe premiaram com quatro best sellers sobre assuntos espirituais e lhe renderam muitas oportunidades para ajudar os oprimidos pela depressão ocasionada por perdas familiares. Hoje um homem maduro e bem sucedido, Drawzio ainda cria magníficas obras de arte, todas dedicadas a sua bela Bruna, cada vez mais bem retratada, com detalhes impossíveis de serem criados apenas por imaginação e inspiração dizem alguns, mas que encanta assustadoramente aos espectadores dos quadros e esculturas de Mestre Furlan. Mesmo porque, cego à quinze anos decorrente de um derrame, seria impossível não se impressionar com o realismo e a vivacidade de Bruna, encarando a todos os que a apreciam, como se a a vida lhe escapasse pelos poros a cada olhar.
E a luz do quarto de Drawzio nunca mais precisou ser acesa.

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