(...)
Aproxima-se outra noite das bruxas,
ainda sei o caminho, voltarei lá. Vou cumprir a minha promessa, não apenas para
manter a minha palavra, mas porque os sonhos não me são suficientes.
Conheça as 3 primeiras partes deste conto:
The music of the
night - Tha Phantom of the Opera
Noite de bruxas - Parte IV
Noite de bruxas.
A lua cheia ilumina-me o caminho, por entre uma chuva fininha
que deixa pequenas marcas na estrada, como que a deixar a marca do caminho de
volta a casa. Que neste momento não sei se quererei encontrar.
Chego às mesmas ruas estreitas, direita, esquerda, em frente,
direita. Lá continua o velho coreto, a olhar-me imponente, como se me
conhecesse a mim e ao meu destino. Olhei à volta e encontrei as escadas, subi.
De lá de cima via-se a vegetação à volta, densa, envolta por um
nevoeiro que parecia poder tocar-se.
De entre essa nuvem branca surgiu uma sombra na noite, que se
materializou ao meu redor, sussurrou-me ao ouvido “Vem comigo”, e eu disse sim.
Envolveu-me na sua capa e levou-me, esquerda, frente, direita, esquerda, vento,
árvores, perdi o caminho.
“Onde estamos?” – quis eu saber.
“Em minha casa” A mesa já
estava posta para os dois, não queria jantar, queria perguntar-lhe tanta coisa,
queria dizer-lhe tanta coisa, mas ele puxou-me uma cadeira, sentei-me.
Satisfez-me a curiosidade, deixou que o inundasse de perguntas.
Calei-me então, e ganhei coragem para lhe dizer: “Tens vindo visitar-me, aos
meus sonhos.” “De dia sou eu, de noite, estou contigo.”
E estendi-lhe a mão, “Quero que me vejas, como eu te vi naquela
noite.”
Segurou-me a mão, gentilmente, apertou-a entre as suas mãos de
fábula, e libertei a minha alma, para que a visse, para que se visse como eu o
via.
Quando abri os olhos, vi que os seus estavam tristes. Que se
passa?, perguntei. Não devias querer estar comigo. Porquê? Tens apenas uma vida
para viver, não a eternidade de momentos para desperdiçar. E porque seria
desperdício, estar aqui, contigo? Lembras-te do que te disse? Apenas numa noite
do ano estou visível aos humanos… Eu sei, mas senti-te comigo nas outras
noites, até durante o dia… Apostaria que estavas perto… Estava perto, mas não
te poderei nunca tocar, apenas ver-te dormir, enquanto sonhas. Mas hoje não…
Lá fora a chuva aumentou, batia forte nos vidros, podia
imaginá-la a formar um rio, um rio que nos renovaria.
E assim ao som da chuva, a nossa pele se fez igual, as mãos, os
braços, os lábios, iguais, podiam tocar-se, sem medos, sem mais que o outro. E
assim numa noite amei como se um ano fosse, como apenas numa noite mágica o
poderia fazer. Deixei de ser eu, deixou de ser ele, na realidade não
interessava, tudo éramos nós.
O nascer do sol aproximava-se, percebeu. Trouxe-me um cálice e
ofereceu-me. “Não são lágrimas de feiticeira?” – Perguntei. Sorri. “Não, não
quero prender-te mais. Nunca mais.”
Era quente, doce, mas tinha um toque amargo, bem lá no fundo,
quase imperceptível, mas que ficou a escorregar-me na garganta, tentando
libertar-se do doce. “O que é?”
“Chá de Lethe” (*). Tocou-me docemente numa madeixa do cabelo,
com um olhar de saudade que me deixou confusa, beijou-me de novo e eu deixei-me
ir, esqueci o toque amargo do líquido que acabara de beber.
~~~
Tenho acordado sobressaltada, os sonhos não me deixam. Não os
entendo, voo pela serra, mas não tenho asas, nem sequer corpo, voo e não chego
a lugar nenhum, limito-me a deambular, perdida nos céus da serra. Todos os dias
sonho, todos os dias o sonho me acorda. Antes sonhava que bebia um vinho rubro,
o vidro quebrava-se-me nas mãos, o líquido inundava o chão e eu fundia-me com
ele, não me afogava, apenas deixava de existir ali. Agora sonho com os céus da
serra.
Sonho em sobressalto, acordo e sinto um vazio que não sei tocar,
a que não sei dar nome.
O meu caderno tem algumas folhas arrancadas. Não sei porquê.
Talvez tenha lá escrito os sonhos de outras noites, porque me parece que já
estive neste sonho antes.
~~~
Tenho menos sonhos agora. As noites são mais calmas. Os dias
também. Eu não.
Está sol. O dia está bonito. Mas espero a noite. A lua é mais
bonita, faz inveja ao sol. A noite é silenciosa, posso sentar-me a ouvir. Oiço
muitas coisas à noite, muitas histórias, muitos murmúrios. Tento ouvir-me a mim
mesma, há algo que tento ouvir. Mas não sei o que é. Mais difícil encontrar,
quando não se sabe o que se procura.
~~~
A lua está tão bonita hoje. Ali, no cimo da colina. Parece que
dorme no seu regaço. Junto à casa da colina. Sempre me fascinou, aquela casa,
escondida lá em cima. Não sei bem porquê. Um dia irei lá.
Na Grécia Antiga, Lete ou Lethe (em grego antigo λήθη;
[ˈlεːt̪ʰεː], grego moderno: [ˈliθi]) literalmente significa
"esquecimento".
Na mitologia grega, lete é um dos rios do Hades. Aqueles que bebessem ou até mesmo tocassem na sua água experimentariam o completo esquecimento.
Foto de Isa Lisboa |
Isa, só tomando chá de Leth para esquecer um conto mágico como esse.
ResponderExcluirParabéns.
"Tens apenas uma vida para viver, não a eternidade de momentos para desperdiçar".
Bjs.
:) Muito obrigada, Clau! Tentei mesmo criar um mundo com o seu quê de mágico! Fico feliz que tenha gostado! Um abraço!
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