Eu e Túlio estávamos ansiosos por voltar as nossas origens. Eu havia trabalhado por quase cinco anos numa vinícola e ele numa agência de turismo. Havíamos feito um bom pé de meia para recomeçarem uma vida pacata e simples na velha Saquarema.Boatos na cidade de um amor proibido entre nós fora o agente que nos fizeram partir para a Capital Carioca.
_Não vejo a hora de chegar!- disse esfregando as mãos uma nas outras e depois no ombro do amado.
_Quem diria que enfim estamos indo de volta para casa. - Túlio me confessou sorrindo.
_Sim,
tudo que mais quero é voltar para casa. Se me perguntassem no último
instante do meu sopro de vida, diria: "Quero ir de volta para casa."
A
felicidade estava estampada em nossas faces. Tudo que almejava era
enfim recomeçar de cabeça erguida. No entanto, foi numa curva muito
íngreme e fechada, conhecida como a curva da morte na Serra do Mato
Grosso, que ao terminar de nos dar um breve beijo, Túlio perdeu a
direção do carro.
Eu
acordei com o gosto de sangue na boca. Era tudo turvo e confuso.
Difícil saber onde estava e o que tinha acontecido.Recordo de tentar
virar a cabeça para cima e logo notei que minhas pernas pareciam presa
no que um dia fora o painel do carro, o reconheci porque o chaveiro que
dei de presente a Túlio em seu último aniversário estava de cabeça para
baixo balançando em meu rosto.Queria saber onde ele jazia,escutei um
gemido.Sabia que era ele pelo tom da voz mas aquele gemido jamais
escutara.Era a dor em pessoa.Vi que Túlio tinha um corte profundo no
lado esquerdo da testa, pelo que constatei o a ponta do para-brisa
tinha perfurado toda sua fronte."_Meu Deus!"-pensei,tenho que sair daqui
de algum modo.
Fiz
força, as pernas não obedeciam. E então percebi que tudo era ainda pior
que ponderara. Nosso veículo encontrava-se pendurado como numa corda
bamba, um impulso não calculado simplesmente nos jogaria ribanceira
abaixo de encontro com as pedras.Tentei ser o mais zelosa
possível.Tentava apaziguar Túlio de todas as formas.A dor dele era
tamanha que meramente não me ouvia diante da gigantesca aflição que
nos adveio. Sentia muitas dores, todavia consegui com muito esforço sair
do auto e me deparar com o outro desafio aterrorizante.Na minha frente
um abissal paredão de pedregulhos e penumbra,ali me ansiando, todos
contra mim.Por mais desgastante que fosse todo meu empenho,e ofegante
estivesse nem podia sentir a respiração diante do meu enorme
desespero.Era agonia demais.
Houve um momento de silêncio.
Nada
estava ali além de mim, contudo quando o vi pela primeira vez. Ele era
alto, esguio e tenebroso volveu minhas memórias há uma árvore
petrificada que vi na infância perto dos sítios de meus avós no Tinguí.
Embora sua silhueta fosse nebulosa, tornou-se minha única alternativa,
gritei:
_Me ajude, por favor! Eu e meu marido nos acidentamos o carro vai cair e não posso tirá-lo de lá! Por favor! Socorro!
Seus
passos eram pesados, parou a minha dianteira fitou-me lentamente como
se apreciasse toda aquela situação e parecia arrastar algo que não pude
ver o que era. E o seu olhar era mórbido e frio, mas nada fez. Continuou
seguindo em meio à obscuridade, como se meu estado não fosse nada além
do nada do muito que ali jazia. Tomei as forças e continuei rastejar.
Apesar de não compreender a razão de aquele homem ignorar a minha dor,
consegui chegar a rodovia. Tentava ficar de pé e depois de um longo e
doloroso empenho quase desumano alcancei a mureta de proteção, quando um
farol bateu em meus olhos quase cegando-me. O automóvel parou. Um moço
de face amiga correu ao meu socorro, gritava como louca:
_Pelo amor de Deus!
De
cara e tomada pelo líquido que supre a vida, rapidamente voltou ao
carro apanhou uma lanterna e pediu que me acalmasse. Com muito cuidado
retornamos ao ponto onde o auto estava. Meu coração estava em pedaços, o
senhor olhou-me com candura dizendo:
_Fique
aqui. - e se aproximou um pouco mais. Mas logo que seus olhos entraram
no cenário do veículo o seu olhar foi tomado pelo espanto e dentro de
mim a desesperança brotou aos montes.
_Túlio morreu!
Deixe-me turbar pela dor. Bradava desesperada:
_Não! Não!
E
de repente a lanterna do homem bateu em meus olhos esbugalhados.Sabia
que tinha que me aproximar, uma força me obrigava.Foi quando pude ver o
que ele vira.O meu corpo jazia ali, ao lado de Túlio.Ele também sem
vida.Elevei as mãos ao meu rosto, não podia crer.Mas sim, meu corpo
estava ali e de Túlio também.
Morrera ele e eu.
O
homem restou correr, e eu entender.Foi neste instante que uma luz
achegou-se e um ser iluminado tomou-me pela mão e todas aquelas dores
simplesmente desapareceram sem abrir os lábios sei que o indaguei:
_E Túlio?
Ele
sorriu e da mesma maneira me recordou o homem alto e turvo que vira,
foi naquele preciso segundo que meu amado expirara. E sua alma recebeu
como consolo aquela presença que o arrastou. Perguntei por que a mim não tinha sido dado o mesmo que a ele,que estendeu a mão e gracejando com extrema
tranquilidade:
_Você terá todas as respostas que procura. Vamos?
_Para onde?- repliquei.
_DE VOLTA PARA CASA.
Surpreendeu-me, Danka!
ResponderExcluirO regresso a casa... à verdadeira casa, assim se fez...
Fiquei com um sabor amargo na boca durante o tempo da leitura, mas acabou por se adoçar ao ver a luz deste final.
Parabéns!
Beijinhos!