A
primeira coisa que quero confessar é que meu nome não é Igor.
A
segunda, é que jamais lhes direi meu nome verdadeiro.
Tenho
plena consciência do que irei dizer pode ou não fazer sentido para você. Sei
que poderei parecer um louco ou um grande herói. Essa é a terceira coisa a
confessar, não importa o que pense sobre mim, isso não faz a menor diferença.
Nessa vida, somos responsáveis diretos e precisos daquilo que imputamos sobre
nossas cabeças seja para vida ou morte. Há doze anos quando ainda era um
moleque de onze anos tomei a decisão mais dolorosa de toda minha existência,
uma decisão que determinou o meu hoje não sei se o meu amanhã, mas que com
certeza definiu meus últimos doze anos de vida.
Sempre
fui um filho obediente, filho de mãe solteira e batalhadora, como milhões que
eu e você certamente conhecemos e admiramos. Meu pai nunca foi pai, era um nome
na minha certidão de nascimento assim como permanece até hoje na minha Carteira
de Identidade.
Mamãe
nasceu no Sertão de Pernambuco, num lugar que o tempo esqueceu e a truculência
separou para reinar e fazer cativo um povo que já nos olhos carrega dor e
sofrimento. Não conheci meus avós, só recordo de mamãe contar-me que enviava
dinheiro para eles todo mês até que falecessem. No meu mundo só havia duas
pessoas, mamãe e eu. Ela saía às cinco da manhã para conseguir chegar a tempo
as oito no emprego de doméstica do outro lado da cidade, mas morávamos tão
longe que quase sempre o atraso era inevitável assim como a bronca da patroa
dela, uma proletária recalcada, metida a besta que pelo motivo do marido
possuir uma padaria de fundo de quintal sentia-se na condição de humilhar a
quem fosse, no entanto, sua preferência habitualmente tornou-se minha mãe.
Como
eu odiava aquela mulher!
Como
abominava o jeito como tratava minha mãe, como olhava para mim, e como
repudiava também a maneira submissa que mamãe lhe servia exaustivamente sem
esboçar nenhuma reação adversa de dignidade. Quando a embatia a resposta era
velha conhecida:
—
Filho, precisamos deste emprego para sobreviver.
Era
uma dura verdade. Na medida em que crescia, minha rotina permeava ali entre o
computador comprado em milhões de prestações, aos jogos e a molecada na rua.
Apesar de ser eu a minha mãe, acabou virando um mundo de uma pessoa só: Eu.
Algo
foi mudando dentro de mim de modo vil, carregado, calculista e aterrorizante. Eram
sentimentos que ocultava de mim mesmo, pois sabia no meu outro íntimo que se
desse vazão a esse outro lado tão obscuro coisas boas não aconteceriam.
Essa
é minha quarta confissão, quando sentimentos ruins nos invadem e não são
dominados previamente com veemência e acirrado vigor o torpe e o hediondo podem
sim dominar a sua alma. Houve um dia que enfim dominaram a minha. Passei a
olhar para mamãe e sentir gosto de sangue em minha boca, me via em flashes
agarrando-a pelos longos cabelos e jogando-a contra parede sem nenhum respeito
ou qualquer outro compaixão ou emoções dos que passei a vida confessando e
nutrindo por ela. Talvez nessa altura deva estar ponderando que a quinta
confissão é essa: Queria a mãe morta? Não, eu queria matá-la. Do mesmo modo,
aquela mulher que lhe tinha como senhoria e seu marido vassalo.
A
sexta confissão é que no dia 03/02/2000 desapareci da vida de todos. Fiz como
todos os dias. Fui à escola, estudei, fui para o computador e a tarde joguei
bola com meus amigos. Sorri como sempre, porém ebulindo por dentro. Quando
todos adentraram, certifiquei-me de que ninguém me via e tomei o meu rumo. Fui
embora.
A
sétima confissão que faço, é que passados dois meses do meu desaparecimento,
focado no que havia determinado como meta de honra, finalizei meu outro plano.
Entrei de madrugada, na calada da noite na casa dos patrões de minha mãe e os
assassinei. Quatro tiros, dois em cada um, na cabeça e no coração. Só careci
dissimular a voz e contar-lhes uma história triste e comovente o bastante,
disse que mamãe tinha falecido para permitirem que adentrasse em sua
residência, não sabiam, não faziam ideia de que abriram a porta para uma
execução arquitetada em seus ínfimos detalhes, a morte necessita de organização
para se manifestar.
A
oitiva confissão é desaparecer foi à saída que encontrei para não ter que matar
minha mãe. Nesses últimos anos acompanhei tudo que ela fez para encontrar-me.
Todo seu sofrimento, desespero e aflição em busca de mim. Mas essa foi a maior
prova de amor que pude da-la, preferi o mundo cruel e nocivo a conviver com a
ideia que desejei um dia sacrificar a vida da pessoa que mais amo.
A
nona confissão, é que decide contar-lhes isto depois da trágica e exime
dilaceração da família de policiais supostamente morta pelo seu filho. Não sei
se foi ele ou não. No entanto, caso tenha sido, talvez não tenha tido tempo
necessário para passar a frente do gosto de sangue na boca e fugir antes que o
mal lhe sobreviesse. Se esta foi a sua verdade, compreendo porque assim agiu. Não
há explicações plausíveis, cabíveis e esclarecedoras para esse intuito tão
diabólico e malévolo. Assim como não afirmo que todas as pessoas, crianças ou
não que desapareçam tenha se dado pelo mesmo caso como o meu se deu, contudo reflitam
poder ser uma explicação.
Nunca
mais poderei ver minha mãe, não posso abraçá-la, sentir seu cheiro porque sei
que cá dentro de mim,esse outro lado ainda habita,está somente adormecido.
Minha
décima confissão vai para minha mãe embora não tenha nenhuma convicção de que
algum dia lerá ou saberá no seu intuito materno que sou eu quem escrevo essa
carta. Houve uma noite de abril de 2008 que na ânsia da saudade voltei na
calada da noite até nossa casa. Pulei o muro, e de passo em passo cheguei rente
à janela de seu quarto mamãe. Entenda, seu moleque não poderia atravessar
aquele linha tão tênue, caso fosse, a colocaria em risco e jamais permitiria
isto. Só quero que compreenda a vi segurando minha foto e suas lágrimas
debulhando-se sobre a mesma, e com as tais as música que citava: "Quando penso em você, fecho os olhos de
saudade, tenho tido muita coisa menos a felicidade."
Mãezinha,
não roubei, não menti, mas sim matei aquelas pessoas que para mim mereciam
morrer e não há em mim nenhum ressentimento deste feito. Entretanto, jamais me
perdoaria se esse meu lado negro a tivesse tocado com tamanha maldade que há nele,
aí sim, eu jamais poderia ter seguido adiante. Sou trabalhador,estudei,passei
por muitas mãos, algumas me afagaram outras não. O destino é um senhor
implacável.
Minha
décima primeira e última confissão é que morrerei em breve. Não virei bandido,
sou operário, mas a vida me sentenciou com um câncer terminal com apenas vinte
três anos de idade. Não tenho mais que uma semana segundo os médicos, na
realidade acho que não passarei dessa noite. Não estou morrendo, morri desde o
dia que decidi desaparecer da vida de sua vida mãe, e só almejo que você saiba
que eu sempre a amei.
Adeus.
Danka
Maia
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